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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Desafios para a política habitacional: 2ª etapa do programa Minha Casa, Minha Vida

Estudo produzido pelo Observatório das Metrópoles

Imagem(1).JPGO governo federal anunciou a segunda fase do Minha Casa, Minha Vida com previsão de financiamento de R$ 125,7 bilhões e promessa de mais 2 milhões de moradias até 2014. O pesquisador Adauto Cardoso, do INCT Observatório das Metrópoles, faz uma análise da primeira etapa do programa e aponta a ocorrência de várias falhas, como investimento em áreas sem infraestrutura, má qualidade das construções e distorções regionais.
A primeira etapa do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) pareceu cumprir, pelo menos no papel, a meta de oferecer, entre 2009 e 2011, um milhão de casas à população com renda de até dez salários mínimos. De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), até o fim de 2010, pouco mais de um milhão de contratos para a construção ou financiamento de unidades habitacionais já haviam sido firmados, ou 100,4% da meta do programa. No entanto, do total de casas e apartamentos contratados, até o momento 238 mil (23%) foram entregues.
Novidades para a segunda fase
Uma das novidades na segunda etapa do MCMV é que o limite de renda dos beneficiados pelo programa subiu de R$ 4.650 para R$ 5 mil. As faixas começam com famílias que ganham uma renda mensal de até R$ 1.600; de até R$ 3.600; e de até R$ 5 mil. Das duas milhões de casas previstas até 2014, 1,2 milhão será para famílias que ganham até R$ 1.600 por mês. Para famílias com renda de até R$ 3.100, a meta é contratar 600 mil habitações. Já com renda até R$ 5 mil, serão 200 mil unidades. Além disso, o governo atendeu a reivindicação das construtoras e ampliou o valor médio das moradias para a população de mais baixa renda, que passou de R$ 42 mil a R$ 55 mil.
Críticas
Desde 2009, o professor do IPPUR/UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Adauto Cardoso, acompanha a questão habitacional com enfoque nas ações do Minha Casa, Minha Vida. Nesta entrevista, ele comenta os principais problemas da primeira etapa do programa e o que podem gerar na configuração dos espaços metropolitanos brasileiros.
A partir dos estudos do Observatório das Metrópoles, quais problemas foram verificados na primeira etapa do MCMV?
Nós podemos falar de quatro grandes problemas no programa do governo federal. O primeiro, que aparece em todas as análises que fizemos, está relacionado à localização dos novos empreendimentos, já que a maioria deles é feito em áreas periféricas, muito distantes, pouco conectadas com a malha urbana. Temos exemplos de moradias que foram feitas completamente isoladas em relação à cidade propriamente dita, o que gera implicações em termos de transporte, de infraestrutura e em termo da qualidade de vida da população que vai morar ali.
Essa questão da localização aparece em primeiro lugar como a mais recorrente, e, a meu ver, é um retrato de como o programa não consegue cuidar da questão fundiária – o problema da terra e da valorização dela. O que é resultado da sua própria dinâmica na medida em que não se acopla, aos investimentos e subsídios que o MCMV oferece, um conjunto de instrumentos para controlar a especulação da terra. Dessa forma, quanto mais recursos se colocar no programa, mais a terra vai valorizar, mais o custo da unidade vai subir, e mais esse dinheiro será captado pela propriedade fundiária, pelos proprietários.
O resultado é que você está usando recursos públicos, dando subsídios para atender a população de baixa renda, mas está, indiretamente, beneficiando os proprietários da terra. Isso poderia ser evitado se os instrumentos do Estatuto da Cidade, que são de responsabilidade dos municípios, estivessem sendo usados. Então, falta ao MCMV acoplar esses instrumentos - como o parcelamento, o IPTU progressivo e outros – e exigir dos municípios, que estão recebendo os recursos, um controle maior deste processo.
E quais seriam os outros problemas?
Uma segunda falha refere-se à tipologia e às tecnologias usadas nestes empreendimentos. Nós observamos uma série de problemas em relação a isso, já que as soluções de plantas são convencionais e pouco adaptáveis à população de baixa renda. Isso quer dizer que o projeto arquitetônico não é pensado para essa população. Por exemplo, foram feitos projetos com custos condominiais relativamente altos, fato que irá gerar implicações para a família com renda mais baixa. Ou seja, o governo dá o subsídio para a família – que não precisa pagar prestação ou apenas uma prestação pequena -, mas ela tem de pagar um condomínio caro. Neste contexto, há ainda as normas de condomínio que são de difícil assimilação para esta faixa da população.
Outro problema é que dentre as soluções construtivas que estão sendo usadas nas habitações do Minha Casa, Minha Vida, sobretudo para reduzir custos, muitas delas não são adequadas, visto que não permitem ao morador uma flexibilidade de adaptação ao seu modo de vida. Por exemplo, algumas construtoras usam “forma túnel” – paredes de concreto -, mas se o morador quiser furar um buraco para colocar um quadro ou abrir uma porta, ele não consegue. Em outros casos, são utilizadas alvenarias de tão baixa qualidade que quando o morador vai furar, cai tudo – temos estudos de casos em São Paulo que confirmam isso.
Temos ainda o modelo de condomínio fechado, idealizado para o estilo de vida da classe média e, depois, adaptado para estes novos empreendimentos. É um modelo de comunidade fechada, sem integração com a cidade, sendo que no caso do MCMV as áreas de lazer não são suficientes para o número de pessoas que mora ali. Os conjuntos também são muito grandes, o que caracteriza outro problema. Sempre se falou desde o BNH que os conjuntos deveriam ser menores, pois era o formato mais adequado para gestão etc.
No caso de empreendimentos construídos em áreas muito periféricas, surge ainda o problema da ausência de serviços para aquela população, já que dentro de um conjunto não é permitido ter áreas comerciais. Além disso, nós percebemos que as soluções arquitetônicas são convencionais e se repetem no Brasil inteiro, sem uma adaptação às necessidades regionais da população. Dessa forma, diante de inúmeras falhas fica explicitado a falta de regulação e de diretrizes do MCMV com relação à qualidade e a ele ser adaptado à baixa renda.
Existem resultados diferentes entre os estados?
Sobre a distribuição dos recursos do MCMV, verificamos que há uma distorção regional evidente. A Bahia recebeu 11,6% das unidades contratadas do programa até 2011; enquanto São Paulo, 19%. Em contrapartida, há estados que receberam poucos recursos, casos do Ceará, 2,2%, e do Espírito Santo, 1,8%. O Pará, por exemplo, recebeu menos recursos que o estado do Alagoas, sendo que o primeiro apresenta um déficit grave de habitação.
E se observarmos a dinâmica de distribuição dentro do estado, caso do Rio de Janeiro, verificamos também a mesma distorção, já que a maior parte dos recursos do MCMV foi destinada à região metropolitana, porém não a todos os municípios. Itaboraí, por exemplo, que tem uma dinâmica urbana fortíssima e uma demanda por habitação de baixa renda muito grande, não recebeu nenhum empreendimento de zero a três salários mínimos. A capital recebeu praticamente todos os empreendimentos dessa faixa de renda. E fora da RMRJ, somente dois municípios receberam recursos: Volta Redonda e Cabo Frio.
Os dados demonstram esta distorção regional, que não tem a ver apenas com a vontade do governo, compromissos políticos etc. Tem um fator relacionado à questão estrutural do próprio programa, na medida em que ele depende da iniciativa das construtoras de fazer uma demanda para Caixa. Ou seja, localidades pelas quais as construtoras não têm interesse, porque não dá lucro, ou não tem terra, ou porque não atuam naquela área, são localidades que não recebem o programa.

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