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domingo, 7 de agosto de 2011

A Guerra e a Dívida

O debate que não aconteceu sobre a elevação do teto da dívida

O artigo é de Michael Hudson






Vamos começar com a pergunta mais óbvia: se os governos se endividam no processo de realização dos programas aprovados pelo Congresso, porque o Congresso pode impedir o governo de dar prosseguimento a essas mesmas despesas autorizadas, recusando-se a elevar o teto da dívida?





A resposta é óbvia quando se observa porque essa salvaguarda foi introduzida em quase todos os países do mundo. Ao longo da história moderna, a guerra tem sido a principal causa de uma dívida nacional crescente. A maioria dos governos opera em equilíbrio fiscal em tempos de paz, financiando suas despesas e investimentos por meio de impostos, taxas e tributos. As despesas emergenciais de guerra conduzem o orçamento do equilíbrio para o déficit – sejam guerras defensivas ou de agressão.

Na Europa, o monitoramento parlamentar sobre os gastos do governo foram desenhados para impedir governantes ambiciosos de fazer a guerra. Esse foi o argumento principal de Adam Smith contra a dívida pública, e sua insistência na idéia de que as guerras deveriam ser pagas à vista. Ele escreveu que, se as pessoas sentissem o impacto econômico da guerra em um desembolso imediato – ao invés de adiá-lo por meio de empréstimos – seriam menos propensas a apoiar aventuras militares.

Esta, evidentemente, não é a posição do Tea Party, nem dos Republicanos. O que é tão impressionante na crise de 02 de agosto acerca da elevação do teto da dívida é a sua aparente dissociação dos gastos de guerra. Seguramente, mais de um terço (US$350 bilhões) do corte de US$917 bilhões nos gastos correntes deve ser atribuído ao Pentágono. Mas isso só serviria para dar uma breve desacelerada na escalada impressionante de gastos que vem ocorrendo desde o Iraque, até o Afeganistão e agora também na Líbia

O mais inacreditável é que no mês passado, o democrata Dennis Kicinich e o republicano Ron Paul tentaram fazer com que o Presidente Obama obedecesse às condições do War Power Act e buscasse obter a aprovação do Congresso para sua guerra na Líbia, o que é exigido quando a guerra se prolonga por mais de três meses. Essa tentativa de submeter a Presidência Imperial aos termos da lei não obteve sucesso. Obama argumentou que bombardear um país não poderia ser considerado guerra. Só poderia ser considerado guerra se os soldados de um país estivessem sendo mortos. O bombardeio na Líbia estava sendo feito pelo ar, à longa distância, e talvez até por veículos aéreos não tripulados. Então uma guerra sem derramamento de sangue não pode ser considerada guerra – sem derramamento de sangue do lado do agressor, é isso?

Uma situação como essa é que justificou a introdução da regra do teto da dívida em 1917. O Presidente Wilson fez os Estados Unidos entrarem na Grande Guerra, quebrando sua promessa de campanha de não fazê-lo. Os isolacionistas nos Estados Unidos procuraram limitar essa participação, por meio da imposição de supervisão por parte do Congresso para aprovação da elevação do limite máximo da dívida. Essa salvaguarda se destinava evidentemente a impedir o surgimento de despesas não previstas e sem a autorização do Congresso.

A atual escalada da dívida do Tesouro americano é resultado de duas formas de guerra. A primeira, a Guerra do Petróleo abertamente militar no Oriente Médio, do Iraque ao Afeganistão (Pipelinistan) até a Líbia rica em petróleo. Essas aventuras vão custar de US$ 3 a 5 trilhões. A segunda, e ainda mais cara, é a guerra secreta com custos econômicos elevadíssimos, a guerra de Wall Street contra o restante da economia, que exige que as perdas dos bancos e instituições financeiras sejam transferidas para o balanço do governo (leia-se “contribuintes”). Toda a operação de socorro e o farto “almoço grátis” distribuído para Wall Street – não por coincidência, o contribuinte número um da totalidade da campanha eleitoral para o Congresso - custaram US$13 trilhões.

Parece incrível que o foco principal de Obama no debate sobre a elevação do teto da dívida tenha sido o de avisar que o financiamento da Previdência Social precisaria ser cortado, juntamente com o Medicare, e outros programas sociais. Ele foi ao ponto de dizer que embora a totalidade das contribuições tenham sido aplicadas em títulos do Tesouro por mais de meio século, não seria possível enviar os pagamentos esta semana.

Um padrão de dois pesos e duas medidas radical parece estar funcionando nas democracias. Os investidores de Wall Street com certeza não têm essa mesma preocupação. É fato que a taxa de juros dos títulos de longo prazo do Tesouro têm observado queda durante todo o mês passado e, em particular, na última semana. Os detentores de títulos institucionais obviamente esperam receber o pagamento. Apenas os beneficiários do Seguro Social seriam logrados – ou estaria Obama apenas tentando ameaçá-los para poder depois posar de herói salvador dos benefícios ao conseguir realizar uma negociação?

Wall Street estava certa. Não havia uma crise real. O momento da autorização para elevação do teto da dívida não é o mais adequado para se discutir uma política de impostos de longo prazo. Desde 1962 – com o início da escalada da Guerra do Vietnam – o teto foi elevado 74 vezes. Uma média de uma elevação a cada 8 meses. É como se dirigir a um tabelião para se certificar de que o Presidente não está fazendo nada errado. O Sr. Obama poderia ter encaminhado apenas esse pedido de elevação, e mais nada. Nunca antes outros temas como cortes desse tipo tinham sido anexados ao pedido. E o que é mais surpreendente é que não houve nenhuma tentativa de impor um dispositivo que restringisse a Administração Obama de gastar mais verbas na Líbia, sem obter uma declaração oficial de guerra do Congresso.
Obama poderia ter invocado a Emenda 14 para pagar. Ele podia ter aceito a proposta feita por Scott Fullwiler e outros economistas da UMKC para que o Tesouro emitisse US$ 1 trilhão em moedas para pagar ao Fed os títulos do Tesouro. Mas o Sr. Obama se dirigiu direto para o centro do debate, transformando-o em uma discussão de como cortar o Seguro Social e o Medicare na guerra de classe que começa a emergir nos EUA, em lugar de discutir a extensão da guerra do petróleo para o norte da África.
A primeira grande vitória do setor financeiro na guerra de classes doméstica nos Estados Unidos foi o corte “temporário” de impostos sobre os ricos realizado por Bush. Essa agressão não foi desfeita a fim de restaurar o equilíbrio do orçamento. Os cortes temporários de impostos não foram revogados, nem as brechas foram fechadas. O ônus de equilibrar o orçamento foi empurrado ainda mais para a própria base do Partido Democrata: trabalhadores urbanos, as minorias raciais e étnicas, as costas Leste e Oeste. Mesmo assim, os democratas racharam 95/95 na votação para aumentar o limite máximo da dívida, a partir do corte de gastos sociais que vão afetar seus próprios redutos eleitorais.
Votos de eleitores, mas não contribuintes de campanha. Essa parece ser a chave para o desfecho da crise da dívida. Apesar de líderes democratas, como Maxine Waters Walters, Dennis Kucinich, Henry Waxman, Frank Barney, Edolphus Towns, Charles Rangel Nadler e Jerrold terem se oposto (e do lado republicano, Ron Paul, Michele Bachmann e Ben Quayle), a maior parte da oposição baseada em princípios veio dos republicanos tradicionais. O Secretário do Tesouro de Reagan Paul Craig Roberts acusou o acordo como sendo demasiadamente de direita e de favorecer os mais ricos em um grau tal que ameaça causar depressão na economia.
A essência da economia clássica baseada no livre mercado era a de restringir o poder do Executivo - em uma época em que o poder de fazer a guerra era a maior ameaça aos interesses nacionais. Assim como a Câmara nas legislaturas bicamerais tinha assumido o poder sobre o comprometimento das nações com uma dívida nacional permanente – em lugar de dívidas reais que morriam com os reis, como era a norma antes do século 16 – assim os parlamentos afirmaram seus direitos para impedir a guerra.
Mas agora que as finanças se tornaram a nova forma de guerra - no mercado interno, não no externo - onde está o poder para restringir o poder do Tesouro e do Federal Reserve para comprometer os contribuintes com a salvação dos interesses financeiros no topo da pirâmide econômica? O Fed e outros bancos centrais afirmam que sua "independência" política é a "marca da democracia." Parece ser mais uma transição para a oligarquia financeira. E agora que o setor financeiro se juntou com a indústria do petróleo, grandes monopólios e privatizadores do domínio público, a necessidade de algum tipo de supervisão por parte do Congresso é tão necessária quanto era o poder parlamentar sobre os gastos militares em tempos passados.
Nenhuma discussão sobre este princípio básico foi expressa no debate sobre o teto da dívida. Mesmo os críticos que votaram (ostensivamente) relutantemente (de modo a proporcionar uma negação plausível para o que sem dúvida será a sua condenação posterior do acordo quando chegar a época da eleição no ano que vem) agiram como se fossem salvar a economia. A realidade é que agora há pouca esperança de reconstrução da infra-estrutura como o presidente prometeu. Os cortes na repartição das receitas federais vão atingir duramente as cidades e os estados, forçando-os a vender ainda mais terras, estradas e outros bens de domínio público para cobrir seu déficit orçamentário, ao mesmo tempo em que a economia dos EUA afunda cada vez mais na depressão. O Congresso acaba de acrescentar deflação (1) fiscal à deflação da dívida, retardando ainda mais o emprego.

Como é que eles vão explicar tudo isso nas eleições de novembro de 2012?


Tradução: Eugênia Loureiro
(1) A deflação corresponde à diminuição do Índice dos Preços no Consumidor (IPC).
Esta descida dos preços tem, paradoxalmente, repercussões negativas nos consumidores: qualquer pessoa que tenha dívidas (ex: empréstimo imobiliário), vê aumentar a importância desta. Os Bancos Centrais têm muito cuidado com os riscos de deflação, porque os instrumentos de politica monetária não funcionam para resolvê-la, e a deflação pode se transformar em uma espiral deflacionista. Ex: A deflação que ocorreu depois do crash de 1929: entre 1930 e 1933, os preços diminuíram 27% nos Estados-Unidos, com uma diminuição em 40% dos salários e um forte nível de desemprego. (N. do T.)
Michael Hudson é ex-economista de Wall Street. Pesquisador e Professor Emérito da Universidade do Missouri, Kansas City (UMKC), ele é o autor de muitos livros, incluindo Super Imperialismo: A estratégia económica do império americano e Comércio, Desenvolvimento e Dívida Externa : Uma História das Teorias da Polarização v. Convergência na Economia Mundial .
Contato:
http://michael-hudson.com/  
mh@michael-hudson.com
O texto acima foi originalmente publicado em http://www.counterpunch.com/hudson08032011.html

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