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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Impostos no Brasil: Propriedade e Transações Financeiras pagam apenas 4,91% do total. Parte 2: E a Saúde Pública, como fica?

Em seguimento ao artigo já publicado sobre os impostos no Brasil aqui no Orla Política em 14/09, João Sicsu tira as conseqüências daquela análise e propõe agora uma discussão sobre a sustentação do Sistema Único de Saúde - SUS, que é o modelo de saúde pública no Brasil. Argumenta que conseguiremos as verbas necessárias para um bom sistema público de saúde para todos os brasileiros, se aqueles que menos pagam impostos no Brasil, como banqueiros, rentistas e proprietários de terras pagassem o que pagam proporcionalmente nos países desenvolvidos. Note-se que países desenvolvidos como Reino Unido e Alemanha possuem bons serviços públicos de saúde para sua população.


DEBATE ABERTO
Do Carta Maior

Saúde: orçamento e financiamento

O gasto com saúde no Brasil é inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil. A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos acrescentar ao orçamento público da saúde?

A justiça social, ou seja, a redução de desigualdades, também deve ser promovida por intermédio do gasto do orçamento público. Além disso, o gasto público pode ser utilizado para promover a melhoria da qualidade de vida ao gerar crescimento e estabilidade macroeconômica. Os objetivos da justiça social, do crescimento e da estabilidade não são contraditórios.

O gasto público pode promover justiça social e melhoria da qualidade de vida da população quando é distributivo de renda, de bens e de serviços para aqueles que não teriam condições de adquiri-los quando disponíveis em mercados comandados pela lei da oferta e da procura. Esperar que a justiça social seja encontrada em competição no livre jogo de mercado é equivalente a esperar pelo “dia de são nunca”.

Pode-se, então, analisar os gastos públicos federais no Brasil sob a ótica distributivista e de justiça social descritas. Objetiva-se analisar, mais especificamente, as possibilidades de financiamento e o gasto com a saúde pública. Em 2010, o Governo Federal gastou apenas R$ 54,5 bilhões nessa rubrica. Gastou, no mesmo ano, em educação, R$ 40,2 bi e com o pagamento de juros referentes ao serviço da dívida pública, R$ 195 bi. Em 2008, último ano em que os dados sobre municípios e estados estão disponíveis, o gasto total das três esferas de governo em saúde, foi de R$ 109 bilhões.

O gasto total com saúde no Brasil é, portanto, inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde gratuito semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil. Maior orçamento público da saúde em relação ao PIB, economias maiores e populações menores são fatores que explicam a qualidade desses sistemas de saúde.

A economia tem crescido nos últimos anos, a população brasileira está aumentando a taxas mais reduzidas, mas o orçamento público para a saúde é limitado. Portanto, o desafio é aumentar o gasto com a saúde pública.

A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos acrescentar ao orçamento público da saúde? Um amigo sugeriu uma “conta de padaria”: um plano de saúde privado voltado para a classe média C cobra mensalidade de R$ 90 (e promete um “paraíso” aos seus potenciais clientes), multiplique-se este valor pela população (194 milhões de habitantes), multiplique-se por 12, e encontra-se o gasto total anual necessário mínimo – (mínimo porque a população sabe que promessas de planos de saúde privados não são críveis). Feita a “conta de padaria”, chega-se ao valor aproximado de R$ 90 bilhões adicionais.

Não é possível transferir esse montante das demais rubricas do orçamento para a saúde. Somente uma delas é passível e necessária de ser reduzida: serviço da dívida pública mobiliária federal (ou seja, o pagamento de juros por parte do governo federal). Mas, outras fontes de financiamento para a saúde devem ser acionadas: a carga tributária sobre os pobres e a classe média é alta quando comparada com a carga da altíssima classe média, dos ricos e das grandes corporações financeiras e não-financeiras.

Portanto, o óbvio pode ser feito: reduzir a remuneração dos títulos da dívida pública e tributar, elevar alíquotas e estabelecer novas contribuições para os segmentos que têm feito pouco sacrifício contributivo.

Seguem abaixo algumas sugestões, que poderiam ser combinadas e utilizadas em conjunto:

(a) aumentar a alíquota de Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga por instituições financeiras; em 2008, o Governo aumentou esta alíquota de 9 para 15%; quando o governo fez a majoração através de uma Medida Provisória, o DEM (partido político) apresentou ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI); o governo para rebater a ADI informou ao STF que “... não pode haver dúvidas de que, se há um setor econômico, no Brasil, que caberia ser o destinatário de alíquota majorada da CSLL (...), este setor é o setor financeiro, que, a cada ano, bate novos recordes, a nível mundial em relação a esse setor econômico, em matéria de lucros”; mais ainda, em 2007, o senador tucano Álvaro Dias apresentou projeto de lei para estabelecer alíquota de 18% para a CSLL paga pelos bancos e demais instituições financeiras;

(b) tributar lucros remetidos ao exterior por parte de multinacionais (bancos e empresas), que pela legislação em vigor são isentos de imposto de renda; o valor dos recursos remetidos às matrizes nos doze meses compreendidos entre agosto de 2010 e julho de 2011 alcançou US$ 34,19 bilhões; no mês de agosto, o setor financeiro multinacional remeteu quase US$ 1 bilhão ao exterior; a remessa total nesse mês foi superior a US$ 5 bilhões;

(c) tributar a propriedade de jatinhos, helicópteros, iates e lanchas, que pela legislação atual não pagam imposto; diferentemente da propriedade de carros populares, que pagam IPVA;

(d) apurar as formas de fiscalização do pagamento do imposto territorial rural (ITR), que contribuiu somente com 0,07% do total arrecadado pela União em 2010, ou seja, apenas R$ 526 milhões; uma forma de aumentar a arrecadação desse imposto seria estabelecer em lei que o valor declarado da terra pelo proprietário para efeito de pagamento do ITR deveria ser utilizado pela União em processos de desapropriação;

(e) Criar um IGMF, imposto sobre as grandes movimentações financeiras, que tributaria aqueles (pessoa física ou jurídica) que movimentassem mensalmente valores superiores a R$ 2 milhões.

Por último, é importante reconhecer que a gestão do orçamento da saúde deve ser aprimorada para que sejam evitados desperdícios e desvios de recursos. Entretanto, também é importante reconhecer que os recursos atuais são nitidamente insuficientes. O caminho ideal seria iniciar, de forma simultânea, um processo de auditoria, melhoria de gestão e ampliação das fontes de financiamento para a saúde pública no Brasil.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Em defesa do SUS: a Saúde pública precisa de mais verbas. E a carga tributária não é alta no Brasil.

SUS exige verba mas mídia vende tributação insuportável, diz Jatene

Em novo livro, diretor do Hcor e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, diz que tecnologia impôs grandes mudanças à medicina em 40 anos. Frente a custos maiores e novo perfil epidemiológico do país, Sistema Único de Saúde precisa dobrar recursos. 'Esse é o grande problema', diz Jatene em entrevista exclusiva. 'Mídia faz população acreditar que carga tributária é insuportável.'

BRASÍLIA – O diretor geral do Hospital do Coração (Hcor) e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, lançou nos últimos dias, em dobradinha com o atual ministro, Alexandre Padilha, o livro “40 anos de medicina. O que mudou”. São 200 páginas abrangendo a experiência de metade de uma vida que Jatene, aos 82 anos, sintetiza apontando a tecnologia como principal elemento transformador.

O avanço tecnológico levou à descoberta de novos tratamentos, permitiu diagnósticos melhores, praticamente erradicou doenças. Mas também afetou a relação entre paciente e médico, que se tornou mais impessoal. E encareceu custos na medicina, exigindo cada vez mais investimentos de um Estado que assumiu o compromisso constitucional de dar saúde gratuita para toda a população.

O problema dos custos é de difícil solução, na opinião de Jatene, porque o debate sobre o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) tornou-se um tabu duro de quebrar.

"Quem controla a mídia faz a população acreditar que a carga tributária é insuportável", disse o médico à Carta Maior. "Mas, se você tirar a Previdência Social do orçamento, e a Previdência é um dinheiro dos aposentados que o governo apenas administra, vai ver que a nossa carga tributária está abaixo de 30%. É pouco para um país como o Brasil."
Leia a entrevista concedida ao Carta Maior

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Eleições nos Estados Unidos e na Comunidade Européia: ao cidadão, a última palavra. Tempo de espera: mais de um ano. Até lá...

Do Valor

Os especialistas e o câmbio

Por Antonio Delfim Netto

A anguzada, como dizia meu avô, da última semana no mercado cambial teve aspectos cômicos. Alguns "especialistas" recusaram-se a ouvir o dr. Tombini sobre a possibilidade de movimentos cambiais insuspeitados. Continuaram a defender, como paradigma para medir as "distorções" de nossa pobre e ignorante política cambial, a absoluta liberdade do movimento de capitais e o sagrado regime de flutuação imaculada e desinibida da taxa de câmbio.
Tudo de acordo com o Mundo 2, do platonismo semiacadêmico no qual habitam. De repente, trombaram com o Mundo 1, da cruel realidade aristotélica. Foram surpreendidos numa desconfortável posição "vendida" no mercado altamente volátil antecipado pelo dr. Tombini.
Para safar-se, precisam de tempo (o que impõe custos) e de liquidez (que se tornara escassa pela ação do IOF). Clamaram, então, por uma imediata e eficaz intervenção do Banco Central no mercado. Ela está sendo feita (como, aliás, é obrigação do Banco Central), mas agora, obviamente, não se trata de uma "distorção"...

O ponto mais interessante é que tais operadores atribuem suas dificuldades não à arriscada busca de lucro num mercado absolutamente imprevisível, mas às medidas que, "em legítima defesa", o governo tem posto em prática apenas para confortar parte da indústria nacional, à qual ele mesmo tem negado, há décadas, as condições isonômicas para competir. Para encerrar esse assunto, nada como lembrar o velho Nietzsche: "A grande vantagem da falta de memória é que podemos gozar muitas vezes, sempre pela primeira vez, as mesmas boas coisas".
Talvez esse seja o momento de reconhecer a validade da hipótese básica que orienta a nossa política econômica (fiscal, monetária e cambial): o mundo caminha para alguns anos de alta volatilidade e baixo crescimento. Não apenas porque os Bancos Centrais não sabem bem o que fazer, mas porque há uma "conjugação desfavorável" dos astros! A reedição da operação "twist" pelo Fed, depois do seu reconhecido fracasso, em passado não muito distante, é uma prova disso.
De um lado, temos nos EUA uma disfuncionalidade política que nunca foi tão evidente e que não será resolvida antes das eleições de 2012. É pouco provável que o último apelo de Obama ("Living Within Our Means and Investing on the Future: The President´s Plan for Economic Growth and Deficit Reduction"), que inclui o "The American Jobs Act", seja aprovado no Congresso pelos republicanos.
Se aprovado, talvez não venha a tempo para reduzir, antes da eleição, o dramático desemprego e subemprego; dar conforto aos 16% da população sem assistência à saúde; melhorar a renda das residências americanas (no menor nível desde 1996) e compensar mais de US$ 6 trilhões de redução de ativos que elas sofreram desde 2007.
Por último, mas não menos complicado: 47% dos cidadãos são hoje dependentes, de uma forma ou de outra, de alguma ajuda do governo, o nível mais alto registrado na história dos EUA. Não podemos esquecer que Obama sequer conseguiu nomear os dois membros faltantes do Fed.
Por outro lado, temos enormes dificuldades na Comunidade Econômica Europeia onde, também, o Banco Central não revela que sabe muito mais do que o Fed. A situação não melhorará enquanto não se completar a substituição de Jean-Claude Trichet pelo novo escolhido, o competente, experiente e pragmático Mario Draghi.
Ele assume sob a suspeita dos puristas monetários do Bundesbank, que têm abandonado, oportunistamente, a direção do Banco Central Europeu, depois das sucessivas derrotas de Angela Merkel a cada eleição regional. Draghi deve dizer a que veio, porque na opinião de economistas alemães, "para os italianos, a inflação é uma forma de viver, como o molho de tomate no espaguete"...
Provavelmente Merkel vai perder as eleições. O vencedor vai ter que ensinar aos seus economistas que "a política domina a economia". O país que mais vai perder, política e economicamente, no curto prazo, com a eventual destruição da moeda única, o euro, é justamente a Alemanha. Basta pensar quem estaria hoje na posição do franco suíço, se o deutschemark ainda existisse. E o que seria da prosperidade da Alemanha, se as suas exportações não tivessem se beneficiado da disciplina germânica que "desvalorizou" o deutschemark dentro do euro, aumentando a produtividade da mão de obra, ao mesmo tempo em que, de acordo com os sindicatos, controlava o aumento dos salários. Em outras palavras, a civilizada política alemã de trocar a "estabilidade" no emprego pela "moderação" salarial foi induzida pelo euro.
Com a visível escassez de estadistas que se abate sobre o mundo desenvolvido, o tempo da recuperação é absolutamente incerto. Não se trata apenas de um problema econômico, que os economistas talvez soubessem resolver, mas de um problema político, que os economistas, mesmo que soubessem o que fazer, não poderiam fazê-lo. Falta-lhes a legitimidade do poder. Trata-se de uma questão de liderança capaz de devolver à sociedade a confiança e a esperança, sem as quais não se vê solução razoável antes das próximas eleições nos EUA e na Eurolândia. Esperamos vê-las depois...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Comissão da Verdade: "Teremos boa resposta em 2 anos de trabalho"

Do Valor
Por Vandson Lima | De São Paulo

A temática dos Direitos Humanos permeou todos os passos da carreira política da ministra Maria do Rosário Nunes. Já na vereança de Porto Alegre (RS), onde esteve por dois mandatos (1993-1999), presidiu comissões relacionadas, além de ser líder do PT e do governo municipal na Câmara.
Nesta entrevista ao Valor, a mandatária da Secretaria dos Direitos Humanos responde aos principais questionamentos em relação ao projeto de lei que cria a Comissão da Verdade. Os principais trechos da conversa estão a seguir:

Valor: Como estão as negociações no Congresso pela comissão?
Maria do Rosário Nunes: Acreditamos que o projeto passará amanhã [hoje] pela Câmara. Há algumas matérias que estão na frente, mas a ministra Ideli está trabalhando junto com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Ele me disse que há um andamento bom junto aos líderes, porque é preciso antes dar conta do conjunto de matérias que estão na pauta para que haja a votação.
Valor: Quem tem capitaneado as negociações?
Maria do Rosário: Quatro ministros trabalharam em várias frentes junto às lideranças. Justiça, Defesa, Direitos Humanos e Relações Institucionais, além de líderes de governo e Câmara.
Valor: E que mudanças os parlamentares indicam que gostariam de fazer no projeto?
Maria do Rosário: Continuamos trabalhando com a ideia de que a unidade será melhor construída com a aprovação do projeto original.
Valor: O projeto oferece pouca autonomia ao grupo de trabalho que será escolhido, desprovido inclusive de dotação orçamentária.
Maria do Rosário: Acreditamos que o projeto assegura autonomia de trabalho. Com base nas ações já tomadas pelo governo, sociedade civil e na Comissão de Mortos e Desaparecidos, que desenvolveu um trabalho por 15 anos, é possível termos boas respostas em dois anos de trabalho.
Valor: As equipes de outras comissões pelo mundo foram extensas, com centenas de membros. A comissão brasileira prevê 14 funcionários apenas. Não é pouco?
Maria do Rosário: Essa é a base de apoio mais direta aos membros. Mas eles poderão requerer pessoas entre servidores públicos de qualquer esfera. O projeto prevê um trabalho articulado com as comissões de Mortos e Desaparecidos e a comissão de Anistia. Contamos com uma rede de observatórios sobre memória e verdade, com pesquisadores das universidades brasileiras, que estará à disposição.
Valor: O período a ser analisado (1946-1988) não é muito longo? Pode ser reduzido ao período da ditadura militar?
Maria do Rosário: Não consideramos necessário nem adequado. O período foi definido entre uma Constituição e outra. Sinceramente, escuto as críticas, mas penso que quem as faz não avalia que as estratégias golpistas começaram antes de 1964.
Valor: A escolha dos membros ficará a cargo da presidente. Isso pode ser negociado no Congresso?
Maria do Rosário: A presidenta está referendada pelo povo brasileiro. É a pessoa mais isenta e com maior amplitude para compreender a nação brasileira. A presidenta é a maior defensora de um país unido, que supere suas dores e suas marcas de rompimento com a democracia.
Valor: A Comissão da Verdade corre o risco de ser pouco eficiente?
Maria do Rosário: Olha, é um importante passo a aprovação dessa matéria. Nós nunca tivemos um instrumento como esse, com a capacidade de buscar informações de convocar pessoas para depoimentos, de produzir resultados. Esse processo fez a sociedade se mobilizar contra a tortura. Isso vale muito para as atuais e futuras gerações.
Valor: E a relatoria do projeto? O governo indicará nomes?
Maria do Rosário: O Poder Executivo decidiu atuar menos sobre esse tema, para que os líderes decidam com liberdade os relatores na Câmara e no Senado. Mas seria bom se tivéssemos um relator da base e outro da oposição, para mostrar que esse é um projeto de todos.

Abertura do Debate Geral da 66ª Assembleia-Geral da ONU


Presidenta Dilma Rousseff abre o Debate Geral da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Fato inédito na história da comunidade internacional, a presidenta Dilma Rousseff foi a primeira mulher a abrir o Debate Geral da 66ª Assembleia-Geral da ONU. O evento reúne nesta quarta-feira (21/9), em Nova York, chefes de Estado e de Governo dos 193 Países-Membros das Nações Unidas. Como é tradição desde a primeira Assembleia Geral, que aconteceu em 1947, o Brasil abre o debate geral, que este ano tem como tema “O papel da mediação na solução de disputas por meios pacíficos”.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a Assembleia-Geral da ONU, em sua 66ª sessão, deverá privilegiar, dentre outros temas, questões relacionadas à mediação e à diplomacia preventiva.
Veja abaixo a íntegra do discurso da presidenta Dilma Rousseff:


ONU -- Três reuniões de alto nível também acontecem na Sede da ONU em Nova York para marcar o início da 66ª Sessão da Assembleia Geral durante os dias 19, 20 e 22/9, com a presença dos chefes de Estado e de Governo. A primeira delas foi realizada nos dias 19 e 20, e tratou da prevenção e do controle de doenças não transmissíveis em todo o mundo, especialmente dos desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento.
A segunda reunião de alto nível, realizada ontem (20/9), teve como foco a desertificação, a degradação do solo e a seca no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, como preparação para a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), agendada para junho de 2012.
A terceira reunião de alto nível da Assembleia será realizada nesta quinta-feira (22/9), e vai celebrar o 10º aniversário da Declaração e do Programa de Ação de Durban – o projeto da comunidade internacional para ação na luta contra o racismo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Em defesa do SUS: pela aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde

Do CartaMaior
DEBATE ABERTO

Urgência na saúde

O momento atual é de defesa do SUS como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento universal e gratuito. A urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde.

Ao longo do processo de reconstrução da ordem político-institucional, no período que sucedeu ao fim da ditadura militar, o Brasil ofereceu ao mundo um exemplo significativo de arranjo na ordem social. Caminhando na contracorrente de todo o movimento desregulamentador e mercantilizador que se apoiava nas idéias e propostas do chamado neoliberalismo, os consensos construídos para a votação do texto da nova Constituição no final da década de 1980 tentavam recuperar as propostas de um Estado de Bem Estar Social.

No caso específico da saúde, o processo também chama a atenção, principalmente se analisado numa perspectiva histórica e levando em consideração as dificuldades ideológicas daquele momento. Mas o fato é que a defesa de um modelo de saúde que fosse público e de atendimento universal ultrapassou os muros da polêmica político-partidária, em função da atuação fundamental de uma articulação que passou a ser conhecida como “PS” - o chamado “partido dos sanitaristas”.

Reunindo políticos de diversas orientações e filiações, sua ação unitária dava-se na defesa do modelo que veio a ser incorporado ao texto constitucional, entre os capítulos 196 e 200, que trata justamente da Seção da Saúde, no Capítulo da Seguridade Social. O Brasil apresentava ao mundo o Sistema Único de Saúde - SUS, com base naquilo que havia sido construído a partir da articulação de distintos setores da sociedade interessados em montar um sistema de natureza pública, com um amplo atendimento, com financiamento público e fundado num sistema federativo de repartição de atribuições e recursos. Apesar de sintético, o texto dos 5 capítulos é bastante claro quanto às intenções dos representantes na Constituinte. A seguir, alguns exemplos:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

“O sistema único de saúde será financiado (...) com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”
[1]

Porém, as dificuldades começaram já mesmo a partir da implementação do modelo do SUS. Havia - e ainda há! - uma série de questões complexas a serem solucionadas, tais como: i) a garantia de fontes orçamentárias de financiamento; ii) a definição clara da repartição entre as atribuições e as origens de recursos entre União, Estados e Municípios; iii) os limites e as tangências entre a presença do setor privado e o setor público na oferta de serviços de saúde; entre outras. Exatamente por estar sendo construído num período em que o paradigma hegemônico da ordem social e econômica no mundo era baseado na idéia da supremacia absoluta do privado sobre o público e na tentativa de reduzir a presença do Estado a uma dimensão mínima, o SUS já nasceu sendo bombardeado por setores comprometidos com tal visão reducionista das políticas públicas.

Os conceitos teóricos que algumas correntes da economia haviam criado em torno da idéia de bens públicos (saúde, educação, saneamento, etc) sofreram forte oposição e a idéia de transformar todos esses direitos da cidadania em simples mercadoria passou a ganhar força. O mercado privado atuante na área da saúde recebeu grande impulso, a partir da idéia de “complementaridade” ou “suplementaridade” à ação do Estado. Ao lado das antigas e tradicionais instituições da filantropia, cresceu bastante a atuação de grupos empresariais privados, que passam a operar no setor com a lógica pura e simples da acumulação de capital e da obtenção de lucros. E o acesso a esses hospitais, maternidades, laboratórios, centros clínicos passa a contar com a sofisticação dos planos privados de saúde e os seguros de saúde. Tudo baseado em preços, contratos, condições, exceções, carências e outros elementos que confluem para reduzir a despesa e aumentar a receita. A saúde deixa cada vez mais de ser um direito e se transforma numa mercadoria.

O espaço de disputa desse novo campo de negócio, obviamente, dá-se com a própria rede do SUS. Colabora para tanto um processo de sucateamento do sistema público, cujo principal instrumento de atuação ocorre por meio de redução de seus recursos orçamentários. Com isso, a rede pública não consegue avançar a contento em termos de equipamentos e de pessoal. E os meios de comunicação complementam com seu papel de desconstruir o modelo, apontando as falhas e as ineficiências de atendimento da população, com a mensagem sub-reptícia de que isso ocorre em função de sua natureza pública, estatal.

Mas o fato é que pouco a pouco vão sendo reduzidos os gastos estatais com a saúde, enquanto que os gastos privados passam a crescer a cada ano. A política de ajustes fiscais a qualquer custo - que se tornou mais evidente a partir do Plano Real, em 1994 - terminou por estrangular os orçamentos da seguridade social como um todo, aí incluído o drama da saúde. Assim, em 1997 o governo federal acaba por lançar mão de um tributo específico e emergencial para dar conta da falta de recursos orçamentários para essas áreas. Foi aprovada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas parte dos recursos ficava retida para contingenciamento e outros dribles com objetivo de contribuir para o superávit primário. Após compartilhar a dotação com previdência e assistência social, menos da metade dos recursos ficava com a área da Saúde.

Esse tributo resistiu por quase 10 anos, quando foi finalmente suspenso em 2007, em votação ocorrida no âmbito do Congresso Nacional. O discurso generalizado dos setores ligados ao mundo empresarial e das forças conservadoras em geral acabou prevalecendo, na figura da falsa imagem da “elevada carga tributária”. Na verdade, o grande incômodo do sistema financeiro era mesmo a possibilidade de rastreamento de todas as suas operações, uma vez que a contribuição incidia sobre as mesmas. E isso permite ao poder público uma maior capacidade de controle e fiscalização, inclusive para reduzir a prática de operações ilegais, Tendo perdido essa fonte de recursos, o SUS voltou a sofrer ainda mais o risco do sucateamento. Desde 2008 tramita no legislativo um projeto para recriar uma fonte específica para a Saúde (não mais para o conjunto da Seguridade Social). O princípio é bastante semelhante à CPMF: trata-se da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Tal tributo incidiria sobre as transações financeiras, a exemplo da anterior, mas teria uma alíquota inferior: 0,10% ao invés de 0,38%.

Alguns especialistas já apontam a necessidade de um índice mais elevado, dada a urgência de recursos para o SUS. De qualquer maneira, o mais importante é assegurar que as verbas sejam direcionadas para o gasto na ponta do sistema e não fiquem esquentando o caixa do Tesouro Nacional para formar o superávit primário e pagar os juros da dívida. Além disso, faz-se necessário criar algum mecanismo para atenuar a regressividade implícita na CSS. Isso porque todas as camadas de renda da população sofrem a incidência do tributo, pois vivemos em um mundo marcado pela generalização das atividades bancárias e financeiras. Assim, seria importar promover uma medida de justiça tributária e isentar as faixas de renda mais baixa.

A situação é de extrema urgência! Caso contrário, corre-se o risco da saúde sofrer processo análogo ao do ensino fundamental e médio. Ao longo das últimas décadas, em razão do sucateamento da rede pública de ensino, setores expressivos da classe média passaram a optar por estabelecimentos privados de educação para seus filhos. A rede pública, salvo raras exceções, padecia de falta de verbas, com baixo investimento na construção, equipamento e, principalmente, no estímulo aos professores. Estes setores médios tendem a ser vistos como “caixa de ressonância da opinião pública” e com maior capacidade de pressão sobre os representantes políticos. Como eles deixaram de pressionar pela melhoria da qualidade do ensino público pré-universitário, isso contribuiu para a situação ter chegado ao quadro atual de difícil e urgente recuperação.

O momento atual é defesa do SUS como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento universal e gratuito. Um direito de cidadania, um dever do Estado. É claro que muito ainda há para ser realizado no sentido de aperfeiçoar a sua gestão, com o intuito também de reduzir as perdas do sistema. O mesmo vale para a necessidade de redefinir os cálculos dos gastos com saúde, tal como previsto pela famosa Emenda Constitucional n° 29, que estabelece percentuais orçamentários mínimos para que os governos federal, estaduais e municipais apliquem no sistema. E também para introduzir maior grau de justiça social na forma de apropriação dos recursos, inclusive físicos do SUS. E aqui entram aspectos como a atual renúncia tributária para setores que gastem com saúde privada, o uso descontrolado da rede privada dos setores de excelência da rede pública nas áreas de alta complexidade a baixo custo, as facilidades de isenção tributária para os grupos empresariais que operam no sistema privado de saúde, entre tantos outros aspectos.

Enfim, as tarefas são muitas e complexas. Mas a urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde.

[1] Ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Impostos no Brasil: Propriedade e Transações Financeiras pagam apenas 4,91% do total

Do Carta Maior
Recursos Públicos: de onde vêm e de onde não vêm

Estudo realizado pelo Ipea intitulado “Equidade fiscal no Brasil: impactos distributivos da tributação e do gasto social” (de maio de 2011) mostrou que a carga tributária das famílias mais pobres do Brasil é de 32% da sua renda; enquanto a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%.

Recursos públicos são arrecadados por intermédio do funcionamento de um sistema tributário que cobra impostos, taxas e contribuições. Um sistema tributário socialmente justo deve ter caráter distributivo, portanto, deve impor maior sacrifício àqueles que têm mais condições de suportá-lo e, ao mesmo tempo, estabelecer menores alíquotas, taxas e contribuições para aqueles que auferem rendas mais baixas e, em consequência, possuem menores estoques de riqueza.

Para tanto, é necessário que o Estado seja forte, isto é, seja bem aparelhado, com pessoal suficiente e de elevada qualidade técnica, possua equipamentos de alta tecnologia e estabeleça regras que facilitem a utilização do seu aparato de inteligência e arrecadação. Também deve possuir legislação que evite que grandes riquezas e as maiores rendas possam se evadir do país legal ou ilegalmente com o objetivo de se eximir de seu dever contributivo.

Um sistema tributário socialmente justo é aquele que possibilita, também, reduzir as desigualdades de riqueza/renda que são socialmente inaceitáveis, assim como possibilita ao Estado oferecer um sistema de gastos públicos que promova a igualdade de acesso e oportunidades.

No Brasil, se por um lado, os programas sociais de transferência de renda, o pagamento de benefícios da Previdência Social pública, a política de valorização real do salário mínimo e a geração de empregos têm tido um caráter fortemente distributivo; por outro, o sistema tributário brasileiro é injusto e regressivo. Em outras palavras, boa parte do gasto público é distributivo; já o sistema tributário sacrifica mais os “de abaixo” e alivia “os de cima”.

Uma análise da carga tributária por base de incidência revela a estrutura concentradora do sistema tributário brasileiro. Segundo dados da Receita Federal, mais que 47% da carga tributária advêm do “consumo”. E menos que 5% advêm de “transações financeiras” e da “propriedade”. E, da “renda”? Tem-se menos que 20% do total arrecadado. (ver abaixo)

CARGA TRIBUTÁRIA POR BASE DE INCIDÊNCIA, ANO 2009

Tipo de Base............Participação Relativa na Carga Tributária Total (%)

Consumo..............................................47,36
Renda..................................................19,88
Folha de salários..................................26,05
Propriedade e Transações Financeiras... 4,91

Fonte: Ministério da Fazenda; Receita Federal.

O imposto sobre o “consumo” é injusto porque trata os diferentes como se fossem iguais. Um bem de consumo adquirido por um rico ou por um pobre possui a mesma carga monetária de impostos. Logo, o esforço tributário do rico para pagar o imposto contido no seu ato de consumo é infinitamente menor que o esforço despendido pelo pobre para realizar o mesmo ato. Veja-se como uma cartilha intitulada “A progressividade na tributação brasileira: por maior justiça tributária e fiscal”(de 2011) lançada pelo Ipea, Dieese e Sindifisco sintetizam o problema:

“Quando um trabalhador assalariado, que ganha um salário mínimo, compra um pãozinho, ele paga os impostos indiretos que estão embutidos no preço do produto. O patrão dele, cuja renda é muito maior, também vai pagar o mesmo imposto! Com a agravante que o trabalhador gasta todo o salário com o consumo dos bens e serviços necessários à sobrevivência – pagando impostos em cada um deles; enquanto o patrão ainda tem dinheiro para investir em diversas modalidades financeiras com tributação baixa, ou mesmo isentas de impostos!”

Cidadãos somente são diferenciados em termos da renda que auferem e do patrimônio que acumularam quando pagam impostos sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” que realizam – é exatamente o que não acontece no Brasil. Uma comparação internacional é ilustrativa da injustiça brasileira. Segunda a OCDE, nos Estados Unidos, Suiça e Canadá mais que 50% da carga tributária advêm dos impostos sobre a “renda” e a “propriedade”. No Brasil, a soma da arrecadação sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” não ultrapassa 25% do total. Nesses mesmos países, o imposto sobre o “consumo” não alcança sequer 20% da arrecadação total.

É dito que a carga tributária no Brasil é alta e que “é preciso reduzi-la!”. Já inventaram até o impostômetro. Mas, deveriam ter inventado, também, o impostômetro dos pobres [e o jurômetro dos ricos? – para indicar quanto os ricos recebem de juros do Governo – algum milionário quer financiar essa invenção?]. A carga tributária brasileira está em torno de 35% do PIB. É verdade, a carga tributária brasileira não é baixa quando comparada com a carga de países em desenvolvimento. É uma carga assemelhada a dos países desenvolvidos. Entretanto, cabe uma análise mais precisa sobre a distribuição da carga tributária.

Estudo realizado pelo Ipea intitulado “Equidade fiscal no Brasil: impactos distributivos da tributação e do gasto social” (de maio de 2011) mostrou que a carga tributária das famílias mais pobres do Brasil é de 32% da sua renda; enquanto, a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%. Os mais pobres pagam (desses 32%) 28% de impostos indiretos quando adquirem bens ou pagam por serviços. Os mais ricos pagam em impostos apenas 10% da sua renda para comprar mercadorias ou contratar serviços.

Para finalizar, valem a pena ser destacados os seguintes pontos (aliás, esquecidos por aqueles que bradam contra a cobrança de impostos no Brasil):

(a) No ano de 2010, do total da receita federal de R$ 826.065 bilhões, o Imposto Territorial Rural (ITR) contribuiu com R$ 536 milhões, ou seja, 0,07% do total;

(b) O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), ou seja, o imposto sobre heranças, cobra alíquotas em torno de 4%; nos países desenvolvidos, pode chegar a 40%;

(c) Lanchas, jatinhos e helicópteros são isentos de pagamento de impostos; um carro popular usado paga anualmente Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Belluzzo: Monopólio da Mídia dificulta saída para a crise. O debate virou uma farsa

"O consenso em torno de certas ideias de dominância financeira  -idéias que estão na origem da atual crise-- não seria possível sem a sua vocalização pela mídia. Não se trata de  uma teoria conspiratória, estou dizendo que isso se deu através de um processo social em que as camadas dominantes impõem as idéias dominantes. A gente nunca pode perder essa dimensão da luta social; como ela se desenvolve e como  maneja os símbolos, os significados, as palavras. Tome o exemplo da queda da taxa de juros brasileira. Isso produziu em certas pessoas (da mídia) uma estupefação; em algumas mais estupefação, em outras  alguma indignação. As que ficaram mais estupefactas sempre ouviram o contrário, que era um perigo, era a ruína . As ideias , como dizia um autor do século XIX,  tem uma força  material enorme  -- a força material das idéias dominantes. Norberto Elias, o sociólogo, dizia que é muito difícil você desconstruir um consenso como este. Daí o papel crucial da luta social e política. Ou você  acha que a crise vai se resolver mecanicamente, por ela mesma? Não vai. É necessário formular alternativas. A solução dita ‘normal' é previsível, diz o economista americano Doug Henwood, que tem uma newsletter de nome muito interessante, 'Left Business Observer'. Henwood  foi encarregado de escrever sobre Wall Street, antes e depois da crise. É muito fácil, asseverou. Antes da crise, Wall Street era o locus mais poderoso de interesses políticos, econômicos e sociais dos EUA. Depois da crise, Wall Street continua sendo o locus mais poderoso de interesses políticos, econômicos e sociais dos EUA. Um repórter que te entrevista sobre política monetária e ouve algo  contrário a esses interesses, daqui e de lá, hesita em publicar; se publica o faz cheio de ressalvas. Esse jornalista foi emprenhado pelo ouvido, durante anos, para perguntar e ouvir sempre a mesma coisa. O problema da mídia  no mundo inteiro é esse monopólio de algumas empresas que veiculam a visão dominante. Elas são a classe dominante. Nos anos 50 e 60 na Europa, por exemplo, você tinha uma mídia diversificada que expressava as posições políticas distintas. As pessoas liam o 'Avanti!', o 'La Unità'... Havia debate político. Hoje você não tem debate. O que você tem é uma farsa".(Luiz Gonzaga Belluzzo, no debate ‘Neoliberalismo, um colapso inconcluso'.)
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domingo, 11 de setembro de 2011

A matemática macabra do 11 de setembro


A resposta dos EUA ao ataque contra o World Trade Center engendrou duas novas guerras e uma contabilidade macabra. Para vingar as mais de 2.900 vítimas do ataque, algumas centenas de milhares de pessoas foram mortas. Para cada vítima do 11 de setembro, algumas dezenas (na estatística mais conservadora) ou centenas de pessoas perderam suas vidas. Mas essa história não se resume a mortes. A invasão do Iraque rendeu bilhões de dólares a empresas norteamericanas. Essa matemática macabra aparece também no 11 de setembro de 1973. O golpe de Pinochet provocou 40 mil vítimas e gordos lucros para os amigos do ditador e para ele próprio: US$ 27 milhões, só em contas secretas.


O mundo se tornou um lugar mais seguro, dez anos depois dos atentados de 11 de setembro e da “guerra ao terror” promovida pelos Estados Unidos para se vingar do ataque? A resposta de Washington ao ataque contra o World Trade Center e o Pentágono engendrou duas novas guerras – no Iraque e no Afeganistão – e uma contabilidade macabra. Para vingar as mais de 2.900 vítimas do ataque, mais de 900 mil pessoas já teriam perdido suas vidas até hoje. Os números são do site Unknown News, que fornece uma estatística detalhada do número de mortos nas guerras nos dois países, distinguindo vítimas civis de militares. A organização Iraq Body Count, que usa uma metodologia diferente, tem uma estatística mais conservadora em relação ao Iraque: 111.937 civis mortos somente no Iraque.
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Em duas décadas, Constituição produz 'municipalização' do Estado

Comentário do Orla Política: Ainda que importante o aspecto de crescimento do funcionalismo municipal no atendimento mais próximo ás demandas da população, faz-se necessário analisar o aspecto do planejamento urbano. Apenas as grandes prefeituras possuem corpo técnico, equipes permanentes capazes de traduzir as políticas federais de habitação, por exemplo, em políticas locais. Isso pode estar dificultando, entre outros aspectos, a aplicação do Estatuto da Cidade que este mês completa 10 anos. 

Proteção social criada em 1988 leva setor público cada vez mais para dentro do país e para perto do cidadão. Prefeituras transformam-se nos principais patrões públicos e já empregam mais de 50% dos servidores. Municipalização não evita, porém, que funcionalismo perca espaço no mercado de trabalho. Alta do PIB estimulou seis vezes mais contratações privadas desde 2003.

BRASÍLIA – A Constituição criou uma rede de proteção social aos brasileiros, com ações em saúde, educação e assistência, que, com o tempo, vem produzindo capilaridade e enraizamento cada vez maiores do Estado. O cumprimento daquelas políticas exige que o setor público esteja próximo do cidadão. Por isso, nos últimos 15 anos, as prefeituras tornaram-se o ente federado que mais emprega e, hoje, já respondem por mais da metade do funcionalismo do país.

O feito municipal foi alcançado apesar de, na última década, a retomada do crescimento econômico ter feito o serviço público perder espaço no total de empregos formais, dado o aumento das contratações pelas empresas privadas.

No fim do ano passado, as prefeituras tinham 4,9 milhões de trabalhadores, o equivalente a 52% do total de 9,3 milhões de servidores em atividade em todo o Brasil. Em 1995, o quadro municipal era inferior à metade do atual (cerca de 2,1 milhões). Representava 39% do funcionalismo no país (5,5 milhões). E perdia para a folha de pagamentos estadual, até então a maior no setor público (mais ou menos 2,5 milhões).

Os dados fazem parte de pesquisa divulgada nesta quinta-feira (08/09) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o estudo, que usa dados do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) do ministério do Trabalho, houve “um forte processo de municipalização” do setor público. “É normal porque a Constituição delegou uma série de serviços aos municípios”, disse o pesquisador Roberto Nogueira.

Ao explicar a que serviços se referia, mencionou saúde, educação e assistência social. Daí ter havido, simultaneamente, a ampliação da presença feminina no serviço público, subindo de 56% para 59% no total dos servidores do país. E de 61% para 64% apenas no caso das prefeituras. De acordo com Nogueira, as mulheres têm perfil melhor do que os homens para trabalhar na área social.

Perda de espaço
Durante a “forte municipalização” do Estado, o governo federal aumentou a folha de 800 mil para 950 mil pessoas (descontados aposentados e militares, era de cerca de 600 mil nas duas datas, 1995 e 2010), mas viu cair de 15% para 10% sua fatia no bolo geral do funcionalismo.

O mesmo aconteceu com os governos estaduais. O quadro deles passou de 2,5 milhões para 3,5 milhões trabalhadores e, no entanto, a proporção recuou de 45% para 37%.

O crescimento do emprego nas prefeituras não foi suficiente, porém, para impedir que o serviço público perdesse espaço no conjunto do mercado de trabalho formal no Brasil.

Em 2003, o Estado brasileiro (governo federal, estados, prefeituras e estatais) tinha 8 milhões de funcionários. Esse número representava 28% do total dos postos de trabalho com vínculo formal no país. Os outros 72% (20 milhões de pessoas) estavam na iniciativa privada.

Em 2010, a fatia estatal diminuiu para 24%, apesar da entrada de duas millhões de pessoas em algum cargo público. É que as empresas admitiram seis vezes mais (12 milhões) e passaram a responder por 76% do emprego formal..

“Estamos numa fase benéfica da atividade econômica, e o setor privado está crescendo mais”, disse Nogueira. “A administração pública cresce num ritmo bem menor, mais lento. E esse ritmo não pode ser considerado exorbitante.”

Para sustentar a afirmação, o pesquisador destacou que o tamanho do gasto com funcionalismo público em geral (União, estados e municípios) tem se mantido mais ou menos constante quando comparado ao produto interno bruto (PIB) - sempre abaixo de 15% desde 2002. Com a massa salarial geral (em torno de 35% desde 2003). E com a arrecadação (cerca de 40% desde 2002).

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Desafios da questão urbana no Brasil: atualizar o ideário do direito à cidade

A cidade brasileira contemporânea resulta da combinação de dois mecanismos complementares: a livre mercantilização e a perversa política de tolerância com todas as formas de apropriação do solo urbano.

A livre mercantilização permitiu a aliança entre as forças que comandaram o projeto de desenvolvimento capitalista, os interesses das firmas internacionais e as frações locais da burguesia mercantil inseridas no complexo conformado pela tríade produção imobiliária – obras públicas – concessão de serviços públicos. O Brasil urbano foi desenhado pela ação dessa coalisão mercantilizadora da cidade, tendo o Estado como condottiere, seja protegendo os interesses da acumulação urbana da concorrência de outros circuitos, seja realizando encomendas de construção de vultosas obras urbanas ou pela omissão em seu papel de planejador do crescimento urbano. Omissão que, além de servir à mercantilização da cidade, teve papel fundamental na transformação do território em uma espécie de fronteira interna da expansão capitalista, aberta à ocupação livre da massa expropriada do campo.

Entre 1950 e 1970, quase 39 milhões de pessoas migraram do mundo rural e se transformaram em trabalhadores urbanos vulneráveis em razão do processo incompleto do assalariamento e da precária propriedade da moradia autoconstruída. Nesse contexto, a informalidade do trabalho e da produção da casa constituíram-se em poderoso instrumento de amortecimento dos conflitos sociais, próprios do modelo de expansão capitalista baseado na manutenção de elevada concentração da riqueza e da renda.

Não é por outra razão que podemos falar de uma questão urbana no Brasil. A dinâmica de formação, crescimento e transformação das nossas cidades sintetiza duas questões nacionais cruciais: a questão democrática e a questão distributiva.

A questão democrática se  traduz na capacidade da cidadania ativa de substituir a coalizão de interesses que sustentou o processo de acumulação urbana recente, por um regime político republicano capaz de assegurar a todos o direito à cidade, isto é, o direito à participação nos processos deliberativos que dizem respeito à cidade,  à coletividade urbana e seus destinos.

A questão distributiva refere-se à quebra do controle excludente do acesso à riqueza, à renda e às oportunidades geradas no (e pelo) uso e ocupação do solo urbano, assegurando a todos o direito à cidadecomo riqueza social em contraposição a sua mercantilização.

São essas as bandeiras que foram traduzidas pelo movimento social nas propostas da reforma urbana e que passaram a integrar o arcabouço do Estatuto da Cidade.

Os conhecidos e assustadores problemas das nossas cidades precisam ser entendidos como partes fundamentais da nossa questão nacional. Os mecanismos que submetem a questão nacional à lógica do crescimento mercantil são aqueles apontados por Celso Furtado como os responsáveis pela manutenção do Brasil como uma nação inacabada. Nesse sentido, poderíamos também dizer que temos cidades inacabadas, pois estas são incapazes de mediar os conflitos e integrar, mesmo que parcialmente, as distintas classes e grupos sociais.

OS NOVOS DESAFIOS

Vivemos hoje um momento crucial de transformações que coloca a necessidade de atualizar a questão urbana brasileira e a sua tradução em novos modelos de planejamento e gestão das nossas cidades.

A acumulação urbana está sendo reconfigurada no padrão clássico da modernização conservadora que preside desde sempre a nossa inclusão na economia-mundo. As nossas cidades estão sendo incluídas nos circuitos mundiais que buscam novas fronteiras de expansão da acumulação, diante da permanente crise do capitalismo financeirizado. E o Brasil aparece com atrativas fronteiras urbanas exatamente em razão do ciclo de prosperidade e estabilidade que atravessamos, combinadas com a existência de ativos urbanos passíveis de serem espoliados e integrados aos circuitos de valorização financeira internacionais.

Abre-se um novo ciclo de mercantilização que combina as conhecidas práticas de acumulação urbana baseada na ação do capital mercantil local com as novas práticas empreendidas por uma nova coalização de interesses urbanos na direção da sua transformação em commodity. A expansão da visão do Brasil como mercado, que se difunde mundialmente, conspira contra a visão do Brasil como sociedade urbana, democrática, justa e sustentável.

A inserção da acumulação urbana nos circuitos financeiros globalizados demanda novos padrões de gestão do território. Contudo, a análise do que vem ocorrendo em muitas das nossas cidades indica a manutenção parcial da lógica da modernização-conservadora, resultando em uma governança empreendedorista com traços muito particulares em relação a outros países que vêm vivenciando processos similares.

Essa governança pode ser mais bem compreendida a partir da identificação esquemática de quatro lógicas políticas particularistas que coexistem na organização e no funcionamento da administração urbana das cidades. É preciso também levar em conta a fragilidade das instituições de gestão democrática, bloqueando, como consequência, a adoção dos necessários instrumentos de planejamento e gestão pública decorrentes da afirmação do direito à cidade e da lógica do universalismo de procedimentos.

Essas lógicas particularistas esquartejam a máquina pública em vários centros de decisão que funcionam segundo os interesses que comandam cada uma delas. São elas:

a)o clientelismo urbanoque trouxe para as modernas cidades brasileiras o padrão rural de privatização do poder local, tão bem transcrito por Vitor Nunes Leal na expressão coronelismo, enxada e voto, mas que nas condições urbanas transformou-se em assistencialismo, carência e voto. Trata-se da lógica que está na base da representação política no Poder Legislativo Municipal, mas que precisa controlar parte da máquina administrativa para fazer a mediação do acesso pela população ao poder público.

O clientelismo urbano é alimentado por práticas perversas de acobertar uma série de ilegalidades urbanas que atendem a interesses dos circuitos da economia subterrânea das nossas cidades (comércio ambulante, vans, etc.) e a necessidades de acessibilidade da população às condições urbanas de vida, dando nascimento às nossas favelas e às entidades filantrópicas que, muitas vezes travestidas de ONGs, usam recursos públicos para prestar, privada e seletivamente, serviços coletivos que deveriam ser providos pela Prefeitura. Atualmente, esta lógica vem se reconfigurando pela presença, nas Câmaras de Vereadores, de representantes do crime organizado, como é o caso do fenômeno das milícias no Rio de Janeiro.

b)o patrimonialismo urbano,fundado na coalizão mercantil da acumulação urbana, representados pelas empreiteiras de obras públicas, concessionárias dos serviços públicos, entre elas o poderoso setor de transportes coletivos, e os do mercado imobiliário;

c)o corporativismo urbano,traduzido na maneira particular como os segmentos organizados da sociedade civil atuam nas arenas de participação abertas pela Constituição de 1988. A promessa desses canais de participação era a constituição de um padrão republicano de gestão da cidade que, se implantado, criaria condições para o surgimento de uma gestão urbana fundada no universalismo de procedimento.

Nos municípios onde as eleições levaram ao comando das Prefeituras coalizões de forças comprometidas com a constituição de uma verdadeira esfera pública local, verifica-se, em muitos casos,  a reversão desse projeto. Isso se deve a dois fatores: o baixo índice de associativismo vigente na sociedade – cabe registrar que, segundo dados do IBGE, apenas 27% da população adulta integra as formas de organização cívica como sindicato, associações profissionais, partidos, entidades de bairro, etc. – e, de outro lado, a fragmentação e consequente enfraquecimento dos movimentos sociais nas cidades enquanto sujeito coletivo articulado em torno de um projeto.

Esses dois fatos vêm bloqueando a constituição de uma aliança entre o escasso mundo civicamente organizado e o vasto segmento da população urbana que se mobiliza politicamente apenas de maneira pontual e temporária.

O resultado é que, muitas vezes, as experiências participativas resultam no atendimento dos interesses dos segmentos organizados, sem forçar a adoção de um universalismo de procedimentos, pressuposto da constituição de uma esfera democrática e de uma burocracia planejadora.

d)por fim, o empresariamento urbano, uma lógica emergente impulsionada pelo surgimento do complexo circuito internacional de acumulação e dos agentes econômicos e políticas organizados em torno da transformação das cidades em projetos especulativos fundados na parceria público-privado, conforme descreveu Davida Harvey.

Integra esse circuito uma miríade de interesses, protagonizados pelas empresas de consultoria em projetos, pesquisas, arquitetura, de produção e consumo dos serviços turísticos, empresas bancárias e financeiras especializadas no crédito imobiliário, empresas de promoção de eventos, entre outras. Tais interesses encontram parceiros nas novas elites locais portadoras das ideologias liberais e que buscam recursos e fundamentos de legitimidade para justificar a competição urbana. Entre outros recursos, essas novas elites utilizam técnicas do marketing urbano, traduzindo em obras exemplares a “nova cidade”, o que é facilitado pela fragilidade dos partidos políticos.

A política urbana passa a orientar-se pela realização de médios e megaeventos e pela realização de investimentos de renovação de áreas urbanas degradadas, prioridades que permitem legitimar a ação das elites e construir as alianças com os interesses do complexo internacional empreendedorista. Na maioria dos casos, essa orientação se materializa na constituição de bolsões de gerência técnica, diretamente vinculados aos chefes do executivo e compostos por pessoas recrutadas fora do setor público. A lógica do empresariamento urbano, que se pretende mais eficiente, implica no abandono e mesmo desvalorização da organização burocrática.

Essa lógica do empresariamento urbano lidera e hegemoniza a nova coalizão urbana integrada também pelas lógicas do clientelismo, do patrimonialismo e do corporativismo. O resultado é um padrão de governança urbana bastante peculiar, onde o planejamento, a regulação e a rotina das ações são substituídos por um padrão de intervenção que se funda na exceção, com os órgãos da administração pública e canais institucionais de participação crescentemente fragilizados.

A cidade brasileira contemporânea resulta da combinação de dois mecanismos complementares: a livre mercantilização e a perversa política de tolerância com todas as formas de apropriação do solo urbano.

A livre mercantilização permitiu a aliança entre as forças que comandaram o projeto de desenvolvimento capitalista, os interesses das firmas internacionais e as frações locais da burguesia mercantil inseridas no complexo conformado pela tríade produção imobiliária – obras públicas – concessão de serviços públicos. O Brasil urbano foi desenhado pela ação dessa coalisão mercantilizadora da cidade, tendo o Estado como condottiere, seja protegendo os interesses da acumulação urbana da concorrência de outros circuitos, seja realizando encomendas de construção de vultosas obras urbanas ou pela omissão em seu papel de planejador do crescimento urbano. Omissão que, além de servir à mercantilização da cidade, teve papel fundamental na transformação do território em uma espécie de fronteira interna da expansão capitalista, aberta à ocupação livre da massa expropriada do campo.

Entre 1950 e 1970, quase 39 milhões de pessoas migraram do mundo rural e se transformaram em trabalhadores urbanos vulneráveis em razão do processo incompleto do assalariamento e da precária propriedade da moradia autoconstruída. Nesse contexto, a informalidade do trabalho e da produção da casa constituíram-se em poderoso instrumento de amortecimento dos conflitos sociais, próprios do modelo de expansão capitalista baseado na manutenção de elevada concentração da riqueza e da renda.

Não é por outra razão que podemos falar de uma questão urbana no Brasil. A dinâmica de formação, crescimento e transformação das nossas cidades sintetiza duas questões nacionais cruciais: a questão democrática e a questão distributiva.

A questão democrática se  traduz na capacidade da cidadania ativa de substituir a coalizão de interesses que sustentou o processo de acumulação urbana recente, por um regime político republicano capaz de assegurar a todos o direito à cidade, isto é, o direito à participação nos processos deliberativos que dizem respeito à cidade,  à coletividade urbana e seus destinos.

A questão distributiva refere-se à quebra do controle excludente do acesso à riqueza, à renda e às oportunidades geradas no (e pelo) uso e ocupação do solo urbano, assegurando a todos o direito à cidadecomo riqueza social em contraposição a sua mercantilização.

São essas as bandeiras que foram traduzidas pelo movimento social nas propostas da reforma urbana e que passaram a integrar o arcabouço do Estatuto da Cidade.

Os conhecidos e assustadores problemas das nossas cidades precisam ser entendidos como partes fundamentais da nossa questão nacional. Os mecanismos que submetem a questão nacional à lógica do crescimento mercantil são aqueles apontados por Celso Furtado como os responsáveis pela manutenção do Brasil como uma nação inacabada. Nesse sentido, poderíamos também dizer que temos cidades inacabadas, pois estas são incapazes de mediar os conflitos e integrar, mesmo que parcialmente, as distintas classes e grupos sociais.

A análise dos planos diretores elaborados após o Estatuto das Cidades, realizada pela Rede de Avaliação dos Planos Diretores Participativos, parece confirmar essa hipótese. De uma forma geral, a pesquisa demonstra a generalizada incorporação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade pelos municípios, o que permite reconhecer que a agenda e a proposta da reforma urbana foram efetivamente disseminadas na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, também se percebe que foram poucos os planos que avançaram na aplicação territorial de diretrizes e instrumentos que afirmam a função social da propriedade, o que evidencia, em diversos casos, o descolamento dos propósitos do plano com o território municipal e a fragilidade de estratégias de desenvolvimento urbano pretendidas nesses Planos Diretores.

Em linhas gerais, percebe-se que os Planos Diretores estabelecem definições, diretrizes e objetivos relacionados à política de habitação, à política de saneamento ambiental, à política de mobilidade e à gestão democrática, porém sem incorporar os elementos necessários para tornar realidade o planejado.

UMA UTOPIA EM CONSTRUÇÃO


Em síntese, apesar dos avanços no discurso relativo ao direito à cidade, este não se traduz na definição de metas e estratégias efetivas para o enfrentamento da problemática urbana das cidades pesquisadas.

Para enfrentar esse novo contexto de aprofundamento da mercantilização da cidade contemporânea cremos que é necessário, antes de tudo, atualizar o ideário do direito à cidade como parte de uma nova utopia dialética em construção, emancipatória e pós-capitalista, materializada em um novo projeto de cidades e de organização da vida social,  que precisa se expressar também na atualização do programa e da agenda da reforma urbana e na promoção de práticas e políticas socioterritoriais de afirmação do direito à cidade.

A atualização da agenda da  reforma urbana, expressando o ideário do direito à cidade, deve propor mecanismos de um novo tipo de coesão social baseado na negação da segregação social, na promoção da função social da cidade e da propriedade, na gestão democrática, e na difusão de uma nova cultura social, territorial e ambiental que promova padrões de sociabilidade com base na solidariedade, na construção de identidades e na representação de interesses coletivos.

Destacamos a importância da criação de esferas públicas efetivamente democráticas de gestão das políticas públicas que ultrapassem os limites da democracia representativa liberal e possibilitem a visibilização, interação, conflito e negociação entre os diferentes agentes sociais e entre estes e o poder público, em que a tomada de decisões seja resultado desse conflito e negociação.

O movimento da reforma urbana está desafiado a intervir programaticamente na cidade na forma de uma rebeldia criativa, buscando promover práticas educativas, políticas públicas e novas linguagens culturais geradoras da desmercantilização da cidade e da promoção do direito à cidade e rompendo, desta forma, com a hegemonia do neoliberalismo empreendedorista.

Luiz César Queiroz Ribeiro é professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do IA do CNPq e coordenador do Observatório das Metrópoles /Instituto do Mmilênio-CNPq. (www.observatoriodasmetropoles.net)

Orlando Alves Santos Junior é Professor adjunto do IPPUR/UFRJ e membro da coordenação do INCT Observatório das Metrópoles.

*Texto originalmente publicado na versão impressa e eletrônica do Le Monde Diplomatique Brasi, ANO 4, Número 45, Abril de 2011
http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=15%3Adesafios-da-quest%C3%A3o-urbana-no-brasil&lang=pt

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rui Falcão concede entrevista ao final do 4º Congresso Nacional do PT


Clique na tela abaixo para assistir a entrevista na íntegra.



Resolução Política do 4º Congresso Nacional do PT, aprovada em 04/09/2011
RESOLUCAO_POLITICA4CONGRESSO_versao_final.doc

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Eleições 2012, alianças e Reforma do Estatuto serão temas do Congresso do PT.


Ao lado de Eleições 2012, a Reforma do Estatuto será um dos principais temas abordados pelos petistas na Etapa Extraordinária do IV Congresso Nacional do PT, que começa nesta sexta-feira (2).  “Poucos partidos no mundo debatem publicamente seu estatuto”, disse o presidente nacional do PT, Rui Falcão, em entrevista coletiva na manhã de hoje.
“Então vamos ver as formas de organização compatíveis com o Brasil de hoje, abrir mais o PT à participação de novos filiados, ampliar ainda mais a democracia partidária”.
Outro ponto que será amplamente debatido refere-se às Eleições 2012. “Nós temos um trecho que trata das eleições de 2012, em que a gente estabelece orientações gerais sobre a tática eleitoral e a política de alianças, e nós propomos claramente que o PT encabece as chapas nos lugares em que governa, em cidades estratégicas com mais de 150 mil habitantes, e que incorpore o conjunto da base aliada. Nas cidades que estiverem a presença dos nossos aliados governando, que estiverem candidaturas mais competitivas, que respalde o governo da presidenta Dilma, o PT vai estar junto apoiando esses candidatos”.
Rui Falcão também falou sobre outros temas, como a ampliação do número de filiados. No entanto, preferiu não fazer referência números. “Meta é sempre problemática, porque se você fala que vai dobrar o número de filiados até o ano de 2015, se você tem 20% a menos, dizem que a campanha fracassou. Você não vai ter 32% da população filiada. Uma boa meta seria, num período de tempo razoável, você estar dobrando isso”.

Economia e os juros
Os altos juros cobrados pelos bancos também serão tema do Congresso petista. “Nós vamos fazer uma avaliação da conjuntura política econômica e social do país. Vamos analisar um pouco a crise mundial e seus efeitos. Estamos fazendo uma menção, de que é preciso ter um tratamento permanente, cauteloso e rigoroso da questão dos juros da taxa de câmbio. Por que isso repercute também, é preciso ter um volume maior de investimentos para o país. A taxa de investimento precisa aumentar. Mas a gente faz isso sem estar estabelecendo críticas, e como metas para o país”.

O partido deverá entrar firme na Reforma Tributária, de maneira gradativa, como explicou Rui Falcão. “Vamos falar também da necessidade de uma Reforma Tributária progressiva”.

SAIBA MAIS:
Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Assista também a íntegra do que foi gravado pelas emissoras de TV. Ou ainda ouça a gravação da parte da entrevista concedida aos jornalistas das agências e sites de notícia.

Reformas
Rui Falcão: “Temos a necessidade de prosseguir na realização da Reforma Agrária. E principalmente quando a gente trata do apoio ao combate à corrupção, que é o núcleo desse combate, há de ser também através da reforma política eleitoral e de uma reforma de estado. Reforma eleitoral introduzindo o financiamento público exclusivo de campanha. Que tenha um outro tipo de estado, com mais carreiras profissionais, com incentivo a mais autonomia de gestão, com mais formas de controle social. Instrumentos que permitam a população poder estar controlando mais o estado”.

Crise de 2005
Rui Falcão: “Naquele período muitos diziam que o PT iria acabar. Nós fizemos um processo de eleição direta logo em seguida, que levou mais de 300 mil filiados a participar. E hoje na pesquisa que nós realizamos também, um dos itens que aparecem é que o PT é que tem os políticos mais honestos. Em nossa pesquisa realizada em junho, logo após a saída do Palocci. portanto um período ruim para fazer pesquisa”.

Zé Dirceu
Rui Falcão: “Ele fez uma cirurgia pequena de hérnia, ele está tirando os pontos hoje, por isso que ele não está aqui.  Ele vai participar do Congresso, ele é delegado. Nós vamos chamar para a mesa, como sempre, os ex-presidentes do PT,  e ele vai ser chamado. Ele, o Berzoini, o Dutra, o Tarso Genro, o Marco Aurélio, o Gushiken, o Olívio Dutra”.

Jornalismo marrom
Rui Falcão: “Eu acho que a matéria da Veja foi um exemplo de jornalismo marrom e da pior qualidade. Eu fiquei indignado com esse tipo de matéria, que também em outras ocasiões já se manifestou em relação a outros companheiros também.  Tem sido quase constante dessa publicação, produzir esse tipo de matéria. Mas não vai merecer nossa atenção nominal no documento do Congresso. Nós vamos criticar um jornalismo que se pratica hoje no país, partidário, imparcial que não se restringe a Veja. Embora ela seja o exemplo mais acabado desse tipo de jornalismo, que flerta muitas vezes com a ilegalidade. E que distorce os fatos para caluniar, injuriar ou difamar. Mas não nos referimos a nenhuma publicação, e estamos enfatizando a necessidade de democratizar a comunicação, de regulamentar artigos da constituição, que não estão regulamentados. Que trata da propriedade cruzada dos meios. Existem na Constituição, e que dispõe sobre o cruzamento de propriedade cruzada de meios. Existe isso no Estados Unidos e em vários países. E insistindo na necessidade de ter um marco regulatório, que por sinal Franklin deixou pronto para ser debatido no Congresso Nacional”.
(Portal do PT)