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sábado, 31 de março de 2012

O desfile do Cordão da Mentira acontecerá neste domingo, 1º de abril, dia da mentira e do Golpe Militar de 1964.

Nota de repúdio à violência e à celebração do Golpe de 1964
https://cordaodamentira.milharal.org/

Participe do Cordão da Mentira
O desfile do Cordão da Mentira acontecerá neste domingo, 1º de abril, dia da mentira e do Golpe Militar de 1964. A concentração será às 11h30, na frente do Cemitério da Consolação, em São Paulo

sábado, 24 de março de 2012

O Parque Madureira será o 3º maior parque da cidade, perdendo apenas para o Parque do Flamengo e a Quinta da Boa Vista.


Como vai ficar o Parque Madureira
Madureira, berço do samba, e bairro com uma das taxas de urbanização mais altas também é dono de um dos termômetros mais quentes do Rio. Mas essa realidade e sensação térmica escaldante de um dos bairros mais simbólicos da Zona Norte deve mudar em breve.
Está previsto ainda para 2012 a inauguração do Parque de Madureira. O Parque será o 3º maior parque da cidade, perdendo apenas para o Parque do Flamengo e a Quinta da Boa Vista. Não é incrível?
Serão 21.500 metros quadrados de grama, 432 árvores e 194 palmeiras: um verdadeiro pulmão verde para o bairro. Com a implantação dessa vasta vegetação, a temperatura da região poderá diminuir em até 5ºC! Veja aqui um vídeo do projeto.
O complexo com terreno de 113 mil metros quadrados será implantado ao longo da Rua Conselheiro Galvão, por onde passa uma das linhas ferroviárias que cruza o subúrbio. Esse mesmo espaço era ocupado até então por uma pequena favela e por torres que sustentavam algumas linhas de transmissão da Light. Geograficamente, o Parque de Madureira vai se espalhar, também, desde as proximidades do Viaduto Negrão de Lima até a Rua Bernardino Andrade, já nos arredores do viaduto da Avenida dos Italianos. A vizinhança com as quadras da Portela e do Império Serrano também promete influenciar na estrutura do parque.
O projeto inovador vai oferecer quiosques, quadras poliesportivas, deques de madeira, lagos, chafarizes, pista de skate, biblioteca, equipamentos de musculação, calçada da fama, heliporto e mais serviços insuficientes na região.
Uma nova paisagem para Madureira e mais opções de lazer e cultura para os moradores do bairro e para quem mora nas redondezas!

Fonte: Veja Rio

sexta-feira, 9 de março de 2012

O Dia Internacional da Mulher em imagens

Uma mulher corre para ajudar outra caída no chão, em Ramallah, após ter sido atingida por um canhão de água usado por tropas israelenses para dispersar uma manifestação do Dia Internacional da Mulher e em favor de um prisioneiro palestino em greve de fome há 22 dias. (AP Photo/Majdi Mohammed)


Mulheres gritam slogans contra o Conselho Militar egípcio antes de participar de uma manifestação com outras mulheres no Dia Internacional da Mulher, no Cairo. (Reuters/Mohamed Abd El Ghany)


Manifestantes se reúnem na Ponte Millenium, em Londres, na campanha “Join Me on the Bridge 2012”, a maior campanha mundial em defesa dos direitos da mulher.


Mulheres protestam em Concord, New Hampshire, contra a maioria republicana que votou uma lei quarta-feira que permite que empregadores excluam o fornecimento de anticoncepcionais de seus planos de saúde, por razões religiosas. A Câmara local aprovou a proposta por 196 votos a 150 e agora ela irá para o Senado. (Jim Press Cole /Associated Press)


Trabalhadoras sul-coreanas gritam slogans durante manifestação do Dia Internacional das Mulheres em Seul, Coréia do Sul. Os cartazes dizem: “Preservar um salário mínimo e contratar mais empregados temporários”.


Integrantes do partido Die Linke (A Esquerda) durante reunião no Parlamento alemão dedicada ao Dia Internacional da Mulher. O partido enviou apenas mulheres, portando um lenço lilás, para participar do debate.


Mulher palestina participa de uma marcha, em Ramallah, convocada para marcar o Dia Internacional da Mulher e para manifestar solidariedade com a palestina presa Hana Shalabi, que está em greve de fome (Mohamad Torokman/Reuters).


Hassina, uma sobrevivente de um ataque com ácido, participa de uma manifestação contra a violência contra as mulheres, em Dhaka, Bangladesh (Andrew Biraj/Reuters).


Mais de mil trabalhadoras participam de uma manifestação em Seul, Coréia do Sul, para marcar a passagem do Dia internacional da Mulher.


Manifestantes carregam cartazes em uma manifestação do Dia Internacional da Mulher em Kathmandu, no Nepal (Rajendra Chitrakar/Reuters).


Mulheres do Camboja participam de caminhada do Dia Internacional da Mulher em Phnom Penh.


Mulher escreve “Eu não preciso de sua ajuda, mas sim que assuma sua responsabilidade” durante manifestação do Dia Internacional da Mulher em Sevilha, Espanha (Cristina Quicler/AFP)


Milhares de integrantes do grupo feminista Gabriela marcham perto do palácio presidencial, em Manila, Filipinas, em protesto contra o recente aumento do preço da gasolina e de outros produtos. Um dos cartazes diz: “Fim da conivência do regime Aquino com o cartel do petróleo” (Romeo Ranoco/Reuters).


Natyavathi (centro), primeira mulher a dirigir um trem na Índia, dirige um trem em uma cerimônia para marcar o Dia Internacional da Mulher. Lideranças da ONU pediram maior igualdade entre os sexos em meio a manifestações e marchas pelos direitos das mulheres (Noah Seelam/AFP Photo).


Estudantes iraquianas vestem tradicionais roupas curdas para celebrar o Dia Internacional da Mulher na cidade de Arbil Thursday, no norte do Iraque. (Safin Hamed/AFP).


Ativistas correm para fugir de uma bomba de gás disparada por tropas israelenses, em Ramallah, durante manifestação em favor da prisioneira palestina Hana Shalabi, em greve de fome a 22 dias (Majdi Mohammed/AP).


Trabalhadoras participam de uma manifestação em frente ao prédio das Nações Unidas em Bangkok, pedindo melhores condições de trabalho e igualdade de direitos. (Chaiwat Subprasom/Reuters).


Integrantes da organização Women for Rights gritam slogans durante um protesto contra o custo de vida e a violência contra as mulheres em Colombo, Sri Lanka.

Do Carta Maior

(*) Texto e imagens publicados originalmente em (http://www.commondreams.org/headline/2012/03/08-5)

Ana Maria Costa: Saúde das mulheres brasileiras, celebrar o quê?

8 de março de 2012 às 14:47
Ana Maria Costa: Saúde das mulheres brasileiras, celebrar o quê?
No Brasil houve grande evolução conceitual e nas concepções políticas sobre a temática da saúde das mulheres e dos direitos sexuais e reprodutivos. Ao valorizar o desenvolvimento dos estudos de gênero em saúde e a aplicação da teoria das relações de gênero aos fenômenos relacionados às doenças e mortes das mulheres fica reconhecido o seu potencial de apontar alternativas de mudanças em saúde.
A despeito de todos os avanços no plano do conhecimento, as políticas de saúde para as mulheres se estreitam à abordagem focalizada. Na prática cotidiana, dificuldades de acesso e má qualidade dos serviços exigem transformações dos profissionais, dos serviços e dos gestores de saúde.
Os riscos e as vulnerabilidades das mulheres são decorrentes da associação das desigualdades nas relações de gênero com as condições de raça e classe social atuantes no processo da determinação social das condições da saúde.O agravamento das condições de saúde das mulheres em virtude do acúmulo de novas vulnerabilidades e riscos como no caso da AIDS, das doenças relacionadas ao trabalho, da violência sexual e das doenças mentais constituem desafios que devem ser enfrentados ao lado dos problemas crônicos dos cânceres ginecológicos e da morte materna.
Para a construção ou formulação de uma política de saúde é necessário conhecer e valorizar os problemas do grupo ao qual se destina, atribuir importância e prioridade política e também rever os caminhos já percorridos reorientando as suas diretrizes e estratégias. Nessa perspectiva, para uma política de saúde das mulheres é necessário analisar os valores sociais, as discriminações de gênero associados a saúde feminina e buscar mecanismos para fortalecer novas correlações de forças na sociedade que promovam valores para mudar as condições atuais subjacentes às desigualdades e às iniquidades em relação às mulheres.
As ações desencadeadas no setor da saúde são importantes, mas ainda insuficientes. De fato, são necessárias mudanças e ações articuladas dos diversos setores de governo e da sociedade com políticas intersetoriais para a promoção da saúde das mulheres e dos direitos sexuais e reprodutivos. A sociedade deve se responsabilizar na compreensão ampla e solidaria do aborto como recurso para as mulheres que engravidam sem o desejar. A atual condição clandestina do aborto tem importância indiscutível na saúde pública, no adoecimento e na morte das mulheres.
A medicalização como prática abusiva e desnecessária tem as mulheres como alvo ocasionando uma verdadeira expropriação do corpo feminino. Esta condição é presente tanto no abuso das laqueaduras tubárias como nas taxas campeãs de cesarianas ou mesmo na prescrição sem critérios para a reposição hormonal nas mulheres em climatério.
É reconhecido que a prática indiscriminada da cesariana, além de elevar os custos hospitalares, tem relação direta com a morte materna. A reposição hormonal por outro lado, além de alimentar a indústria farmacêutica, traz riscos reais à saúde das mulheres e tem seus benefícios questionados.
Movimentos sociais especialmente atuantes na defesa de mais equidade para a população negra e na defesa da livre orientação sexual, têm advertido o SUS sobre a presença de discriminações nos serviços ou omissões de oferta de demandas por parte do sistema. Estas situações se manifestam tanto no que diz respeito a ausência de políticas ou de atitudes e práticas dos profissionais. Nesse contexto é que as mulheres lésbicas, transexuais e negras reclamam por respeito e reconhecimento de suas demandas e especificidades na atenção e cuidado à saúde e, ao vocalizar sobre as suas necessidades fornecem outros ângulos que reafirmam a complexidade da saúde, particularmente, a das mulheres.

O cenário epidemiológico para a saúde da população feminina, cada vez mais complexo, é acentuado pelo desvendamento de novas situações e o agravamento de outras existentes. A AIDS alastra-se entre as mulheres, a violência e as doenças cardiovasculares agregam-se aos cânceres ginecológicos e à mortalidade materna. De uma forma geral, para as mulheres, os indicadores de atenção e cuidado à saúde, que vem sendo divulgados pelo Ministério da Saúde , são positivos e corroboram a diminuição da mortalidade materna, 81% das mulheres tem acesso a métodos contraceptivos, 89% das gestantes realizam quatro ou mais consultas de pré-natal e 97% apresentam realizam parto com profissional de saúde qualificado e 98% dos partos são institucionais, ou seja, hospitalares.
A redução da mortalidade materna foi de 46% entre 1990 e 2009. Em 1990, a RMM corrigida foi de 139 óbitos por 100 mil NV, caindo para 68 em 2009 .No entanto, nos últimos anos observa-se diminuição na velocidade de queda da RMM, principalmente a partir de 2001. O fato pode estar relacionado às diversas iniciativas adotadas no SUS que são voltadas à melhoria das informações, como é o caso da estratégia para redução dos óbitos por causas mal definidas, a autópsia verbal, a busca ativa de óbitos e nascimentos nos estados das regiões Norte e Nordeste onde há baixa notificação, e a implantação da vigilância do óbito fetal, infantil, materno e por causas mal definidas.
A ampliação do acesso aos serviços de saúde é resultado do SUS, mesmo que a universalidade real bem como a equidade constituam ainda grandes desafios. Contrapondo aos seus potenciais benefícios , a ampliação do acesso a serviços de saúde para as mulheres, tem ocasionado maior medicalização particularmente em termos de cesariana, episiotomias e uso abusivo de exame ultrassom.
Desde os anos oitenta o Brasil desponta no cenário mundial como campeão das cesarianas, apesar do reconhecimento dos riscos para mulheres e recém-nascidos que esse procedimento envolve. Associado ao processo de trabalho dos profissionais médicos e, ao mesmo tempo a um fetiche na cultura de consumo para as mulheres, nos últimos anos algumas iniciativas foram adotadas para qualificar e reduzir a indicação do parto cirúrgico.

Acesso , expressão do direito à saúde
O acesso a cinco ou mais consultas durante o pré natal é definido como critério básico para a qualidade desta modalidade de atenção. Em 1981, 40,5% das gestantes receberam cinco ou mais consultas enquanto em 2006/07 esta cobertura ampliou para 80,9%, embora a cobertura de vacinação antitetânica atingiu apenas 76,9% das gestantes. Entretanto, ao mesmo tempo que se observa um crescimento do parto institucionalizado de 79,6% em 1981 para 98,4% em 2006/07, o crescimento da ocorrência dos partos por cesariana passa nesse período de 24,1 % para 43,8 %. (Fonte: SISPRENATAL/DATASUS)
A desigualdade de acesso aos serviços de saúde para as mulheres grávidas, parturientes ou aquelas que provocam aborto inseguro, é responsável pelo fato de que as mulheres negras, jovens, pobres e residentes em áreas peri-urbanas sejam as mais afetadas pela morte materna. Em virtude destas dificuldades de acesso, a mulher negra tem três vezes mais riscos de morrer de aborto inseguro que as mulheres brancas.As dificuldades ou falta de acesso aos serviços de saúde configuram uma injusta desigualdade e atinge especialmente as pessoas residentes nas áreas rurais e no interior da Amazônia e do Nordeste e também aquelas que residem nos 10% dos municípios brasileiros, que não têm médicos.

Aborto: problema de saúde pública e violação dos direitos das mulheres

É significativa a presença do aborto como causa da mortalidade materna, apesar de ser um evento subnotificado em virtude da clandestinidade. Do ponto de vista médico, a interrupção da gravidez quando feita sob condições tecnológicas adequadas, não oferece riscos para as mulheres. Na situação atual de ilegalidade as mulheres grávidas que não querem ou não podem por qualquer razão prosseguir na gestação acabam realizando o abortamento.
O aborto realizado de modo clandestino envolve riscos à saúde, mas os riscos não são iguais para todas as mulheres já que as de classe social mais altas buscam serviços que, mesmo clandestinos, são melhores. Por ser causa de morte e de adoecimentos de milhares de mulheres, o aborto ilegal deve ser tratado como um grave problema de saúde pública. A solução para isso é a retirada da condição da ilegalidade da interrupção voluntária da gravidez na legislação brasileira.
Além dos danos à saúde, a criminalização do aborto constitui uma violação aos direitos sexuais e reprodutivos, consequentemente aos direitos humanos. Têm sido muitas as tentativas de aprovação de projetos de lei para avançar a democracia nacional, ampliando os permissivos legais ou mesmo descriminalizando o aborto. Nos últimos anos a sociedade tem debatido com maior seriedade e compromisso sobre o assunto.
Entretanto esse debate não tem sido fácil, especialmente quando conduzidos pelos dogmas religiosos como são as posições da, cada vez maior, bancada cristã evangélica do Congresso Nacional, determinados a eliminar toda possibilidade de aprovação naquela Casa, de projetos dessa natureza.
Nas conferências de saúde a situação não é diferente. Os delegados contrários à inclusão do aborto ilegal como problema prioritário para a saúde pública e para a democracia são exemplares na passionalidade como forma do debate. Por tudo isso é preciso introduzir nesse cenário uma nova racionalidade que seja movida pela ética da solidariedade e pela preservação da vida das mulheres. Nessa perspectiva, é importante que os profissionais de saúde, que vivenciam no cotidiano as repercussões dos problemas sobre a saúde e a vidas das mulheres, reconheçam sem ajuizamento moral, a gravidade e a dimensão do problema.
Os profissionais de saúde que lidam com o sofrimento e a dor das pessoas e que se dedicam ao cuidado do outro aplicam seus valores e moralidades ajuizando as decisões das mulheres que praticam o aborto e estão sob seus cuidados. Profissionais de saúde e a sociedade devem construir outras referências mais democráticas e solidárias para o tratamento do aborto que diariamente é praticado por milhares de mulheres de todas as classes sociais, religiões, idades, raças e em todas as localidades deste Brasil.
O conceito de redução de danos em saúde pública tem sido usado para reduzir riscos à saúde ou mesmo salvar vidas nos casos associados a situações de ilegalidade como ocorre quando o objetivo é reduzir contaminação por doenças infectocontagiosas entre usuários de drogas injetáveis por meio do fornecimento de seringas individuais, apesar de se tratar de drogas ilícitas.
Há mais de 30 anos, o misoprostol (cytotec) vem sendo usado pelas mulheres como droga abortifaciente, e a importante queda na morbimortalidade por aborto pode ser atribuída ao uso dessa droga. No início dos anos 1990 o país proíbiu a venda do cytotec e a comercialização da droga tornou-se clandestina, com custos mais elevados, restringindo o acesso das mulheres. Reverter esta situação pode ser uma das estratégias de redução de danos e mortes por aborto.
Na mesma linha, a reorganização do atendimento de emergência, incluindo o transporte e a atenção pertinente a tempo e com qualidade às mulheres que abortam, pode resultar em redução dos danos perversos à saúde das mulheres.
Um grande desafio é restabelecer a confiança das mulheres nos serviços e nos profissionais de saúde, especialmente na prática de denúncia por “crime”. Esta situação afasta as mulheres dos serviços retardando ou mesmo impedindo o atendimento e contribuído para o agravamento da condição de saúde e aumento da mortalidade.
Finalizando, aborto é uma questão para a democracia. As mulheres esperam pela sua legalização e pela criação de serviços de saúde dignos que possam acolhê-las nesse momento hoje vivido com abandono, solidão e riscos.
Ana Maria Costa, feminista, médica, doutora em Ciências da Saúde, integra GT Gênero e Saúde da Abrasco e é presidente do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde)

David Harvey no Brasil

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O dinheiro é vermelho

Por Carla Rodrigues | Para o Valor, do Rio

Luciana Whitaker/Valor / Luciana Whitaker/Valor"A grande questão é: o capitalismo é um sistema que está ficando esclerosado? Há muitos pontos de bloqueio com potencial de oferecer riscos à sua saúde e continuidade"

Barba e cabelos grisalhos, magro, voz baixa e jeito tímido formam a figura de pacato senhor inglês do geógrafo David Harvey, cuja aparência esconde um ferrenho crítico do capitalismo, animado por um debate que toma as ruas desde a crise americana de 2008, que ele chama de "mãe de todas as crises". Considerado um dos autores que oxigenam o pensamento marxista na atualidade, seus cursos sobre "O Capital" estão disponíveis na internet e serão, em breve, publicados no Brasil pela Boitempo, mesma editora de seu trabalho mais recente, "O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo". O livro é resultado de uma provocação: Harvey foi chamado a explicar o que Marx teria dito sobre a crise. Para responder ao desafio, ele trata o capitalismo como um ser vivo, dependente do fluxo de capital como o corpo humano depende do fluxo sanguíneo. Na originalidade desse pensamento está a percepção de que todas as receitas para a crise econômica propõem a estranha combinação entre transfusão de sangue, de um lado, e sangria, do outro. "A regra do neoliberalismo é a de que, entre salvar a instituição e o bem-estar das pessoas, opta-se por salvar a instituição financeira."
Para Harvey, o capital só sobrevive se movimentando: entre setores econômicos, como o mercado financeiro e o mercado imobiliário, e geograficamente, entre países e regiões. O diagnóstico serve como um alerta ao Brasil, onde o fluxo de capital estrangeiro, as taxas de crescimento econômico, o vigor do mercado imobiliário, o maciço investimento em infraestrutura e a atração de grandes eventos internacionais, são sinais de crescimento e podem ser prenúncio de uma queda vertiginosa em breve.
Doutor pela Universidade de Cambridge, professor emérito na Universidade da Cidade de Nova York, sua carreira de geógrafo foi se voltando para os problemas econômicos e urbanos a partir dos anos 1980, e hoje é principalmente dedicada aos reflexos sociais e políticos do capitalismo e a seus desdobramentos na vida cotidiana e nos espaços urbanos. Nesta entrevista, Harvey defende o movimento "Ocupem Wall Street", embora admita sua surpresa com a baixa capacidade de mobilização dos americanos. "Era de se esperar que os seis milhões de pessoas que perderam suas casas fossem fazer fila para se unir aos movimentos sociais e protestar."
Harvey se diz admirado com a baixa capacidade de mobilização dos milhões de americanos que perderam suas casas
O fato de isso não ter acontecido não desanima Harvey. Pelas três universidades por onde passou nos poucos dias em que esteve no Brasil, arrebatou alunos, professores e pesquisadores reunidos em plateias atentas a um conferencista de 76 anos que tem sido inspiração para jovens estudantes ainda entusiasmados com a ideia de mudar o mundo.
Valor: O senhor compara o capitalismo a um corpo e o fluxo de capital ao fluxo sanguíneo. O capitalismo é um doente terminal e incurável? Ou a doença é o estímulo para a busca da cura?
David Harvey: Comparo o capitalismo a um corpo que pode ficar doente se houver restrições ao fluxo sanguíneo. É importante perceber como o capitalismo depende da continuidade do fluxo de capital e como qualquer interrupção, por qualquer motivo, pode ter custos muito altos. A grande questão é: o capitalismo é um sistema que está ficando esclerosado? Tem recebido muitos bloqueios por todos os lados, atualmente. Parte da análise que faço sobre o capitalismo sugere que há muitos pontos de bloqueio com potencial de oferecer riscos à saúde e à continuidade do sistema. Além disso, há o fato de que esse corpo está crescendo e há uma expansão infinita das artérias do fluxo de capital e do fluxo de mercadorias. A maioria dos economistas não pensa em termos de continuidade e circularidade de fluxo. Tendem a pensar na produção e nos bens de produção, que depois vão para o mundo e são consumidos, como um processo linear, e não um fluxo circular.
Valor: Como esses bloqueios acontecem e como interferem no funcionamento do sistema?
Harvey: Existem dois tipos de bloqueios. Primeiro, os econômicos. Há problemas sérios para manter a taxa de crescimento em 3%. O único lugar onde não há restrição é na criação de dinheiro. O Federal Reserve [banco central americano] pode criar quanto dinheiro quiser, a hora que quiser. Marx fala sobre a capacidade ilimitada de criar dinheiro. Acabo de me lembrar - já que estou falando para um jornal de finanças - do último capítulo da "Teoria Geral" de Keynes. Ele conta uma história bíblica do vaso da viúva. Há uma criatura com dificuldades e a viúva lhe dá um vaso que se enche de óleo sozinho constantemente, sem ninguém precisar fazer nada. É uma fonte infinita de energia, uma fonte eterna. Keynes faz um paralelo entre essa história e o capitalismo: o dinheiro é o vaso da viúva. Pode ser perigoso acreditar nisso. Voltando à analogia do sangue: há duas maneiras de olhar para esse corpo politicamente. Podemos usar a antiga técnica de sangria. Quando há excesso, é feita a extração de sangue do sistema. Então, percebe-se que não há sangue suficiente. Outra opção é a transfusão de sangue. Temos apenas duas políticas no momento: uma é a sangria, a outra, a transfusão de sangue. Eu me pergunto quanto tempo um ser humano viveria se, de um lado fizessem a sangria, e do outro a transfusão de sangue.
Valor: O senhor acredita que uma solução como a da Islândia [que deixou seus bancos falirem] poderia salvar a Grécia e servir de exemplo para outros países?
  "Com o movimento 'Ocupem Wall Street', a desigualdade se tornou um assunto importante, como sempre deveria ter sido, mas foi afogado por temas como dívidas e austeridade"

Harvey: Sim, com certeza. Acho que há também outros exemplos que a Grécia poderia seguir, como o da Argentina. A Argentina entrou em crise em 2001. A moeda desvalorizou, houve uma grande crise econômica, mas três ou quatro anos depois estava recuperada. E agora o país está bem. São exemplos em que o paciente, livre dos "médicos" que vão extrair sangue e fazer transfusões, podem correr, se alimentar, e retomar a vida.
Valor: O senhor afirma que movimentos imobiliários e megaeventos podem anteceder grandes crises econômicas. Esta poderá ser a razão para o próximo alvo da crise ser o Brasil? Até que ponto pode ser um risco para o país ser atualmente o destino de grandes fluxos de capital?
Harvey: Não há uma relação automática entre "booms" imobiliários especulativos e colapsos posteriores. Tudo depende da força do resto da economia. O mesmo pode ser dito de países que têm fortes fluxos de capital. Alguns países estão bem posicionados para convertê-los em um grande benefício para si (por exemplo, a China nos anos 1990), enquanto outros podem ser vitimados por eles (por exemplo, Indonésia e Argentina na década de 1990). É por isso que é importante olhar para o processo de desenvolvimento econômico como um todo, ao invés de isolar apenas um fator, embora esse fator possa ser um determinante muito poderoso.
Valor: Valor - Por mais paradoxal que seja, o fato de a crítica ao capitalismo não promover mudanças pode ser mais uma demonstração da força do capital?
Harvey: O poder do capital é um poder de classes, hoje altamente concentrado. Poucas famílias controlam grande parte da economia global. Vimos um enorme aumento na desigualdade social nos últimos 30 anos. A classe capitalista controla a mídia, a política, e agora controla o judiciário, de forma que o judiciário ajuda a classe capitalista a controlar a mídia, como vimos recentemente nos Estados Unidos. Os efeitos disso são catastróficos para a democracia. Vimos a derrubada dos governos democráticos e eleitos na Grécia e na Itália, com a nomeação de governos tecnocratas, que deveriam ser neutros e, no entanto, estão lá para cumprir a vontade do grande capital. Portanto, o grande capital tem o controle de tudo.
Valor: Tudo ainda se resumiria a uma luta de classes?
Harvey: Pode-se dizer que há dominação de uma classe. Gosto de uma citação de Warren Buffett, quando perguntaram a ele se existia luta de classes. Ele respondeu: "Claro que existe. A minha classe, a classe rica, promove a luta, e nós estamos vencendo". Uma das coisas que achei muito importantes no movimento "Ocupem Wall Street" foi que mudou os termos do diálogo. A desigualdade social se tornou um assunto importante. Sempre deveria ter sido considerado importante, mas foi afogado por temas como dívidas e austeridade. O controle que existe nos principais instrumentos de poder, como o judiciário, a política, a mídia, precisa acabar. Uma das formas talvez seja promover movimentos de rua como o "Ocupem Wall Street". É o primeiro passo diante de um problema muito grande. Considero que o movimento afirmou o que pretendia, mas ainda existe a questão: poderá se transformar em algo maior e mais geral? Caso se transforme em um movimento maior, poderá haver novas discussões. O fato de a ocupação ter sido encerrada pela força policial foi provavelmente algo positivo. Por duas razões. Expôs os objetivos da força policial e quem está por trás dela. A outra é que os manifestantes não sabiam mais o que fazer. Por terem sido expulsos, puderam recuar e discutir os próximos passos.
Valor: O movimento ambientalista pode contribuir para a percepção de que outro mundo é possível? De todo modo, não é ingenuidade demais pensar que podemos retroceder em níveis de consumo e conforto?
Harvey: É difícil generalizar, porque há movimentos ambientalistas em diversos lugares. Existem grupos ingênuos, que acreditam que podemos voltar a viver da terra. Mas se considerarmos, por exemplo, a campanha "Climate Justice", que reúne cientistas preocupados com as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, começam a haver possibilidades políticas diferentes. Embora a retórica sobre a mãe natureza me aborreça um pouco, acho que isso apresenta uma possibilidade progressiva. E há o capitalismo verde, que é uma grande bobagem. Há pessoas sérias que acreditam que a forma capitalista de fazer as coisas é um bom caminho a seguir. Existe uma parte da classe capitalista que considera necessário fazer alguma coisa em relação a questões ambientais. E existe outra ala que não quer fazer absolutamente nada. Portanto, há uma divisão, e a questão está aberta a debates.
Valor: No livro "A Condição Pós-Moderna", o senhor associa o capitalismo a volatilidade, insegurança, flexibilização e compressão espaço-tempo. Nenhuma dessas características do capital se modificou. Ao contrário, a mão de obra tem sido cada vez mais exposta a todo tipo de insegurança, o que enfraqueceu todo movimento organizado de trabalhadores. Qual seria, então, o motor de uma mudança?
Harvey: O livro foi escrito no estágio inicial do que eu chamaria hoje de contra-revolução neoliberal, que começou com Reagan, Pinochet, e o resto. Já existia antes, mas se tornou hegemônica nos anos 1980. Essa crise não mudou as regras do jogo neoliberal. Na verdade, de certa forma a crise derrubou as máscaras, revelando as soluções neoliberais. Uma das soluções criada nos anos 1970 e 80 é a regra do neoliberalismo: caso uma instituição passe por dificuldades financeiras, entre salvar a instituição e o bem-estar das pessoas, opta-se por salvar a instituição financeira. Nada disso mudou. Na verdade, só se aprofundou e se tornou mais nu e cru. A crise me surpreendeu com a falta de resposta política. Certamente, houve respostas localizadas, mas fiquei surpreso, por exemplo, ao ver que todas aquelas pessoas que perderam suas casas nos Estados Unidos não protestaram. Existem movimentos, mas dificilmente se tornaram protestos em massa. Era de se esperar que os seis milhões de pessoas que perderam suas casas fossem fazer fila para se unir aos movimentos sociais e protestar. Isso me diz algo sobre o aspecto psicológico do projeto neoliberal. Margaret Thatcher disse que não estava preocupada em mudar a economia, mas em mudar a mentalidade das pessoas. Há pesquisas nos Estados Unidos que indicam que as pessoas que perderam suas casas não culpam o sistema, elas culpam a si próprias.
Valor: Em "A Invenção do Capital", o senhor retoma o clássico conceito de Marx de exército industrial de reserva, observando que a entrada das mulheres no mercado de trabalho ajudou na expansão capitalista. Isso quer dizer que nós, mulheres, deveríamos ter ficado em casa?
Harvey: Não, de forma alguma, e por várias razões. Uma delas é que o movimento revolucionário tem que incluir um princípio igualitário, no qual homens e mulheres são iguais. Se a mulher quiser trabalhar, ela pode e deve, e se não quiser, não deve. Se o homem não quiser, também. Como Marx diz, ironicamente, o capitalismo trata de liberdade. A liberdade em um duplo sentido: você é livre para contratar quem você quiser, ou você é livre para trabalhar com o que quiser no mercado de trabalho, mas você também é "livre" de todas as possibilidades alternativas. Você é "livre", mas não tem outra opção a não ser entrar no mercado de trabalho. Quando isso acontece, o que infelizmente muitas vezes se dá é a submissão à dominação patriarcal. A libertação das mulheres é essencial como base para se construir um movimento político alternativo.